Antropofagia Ritual e Identidade Cultural nas Sociedades Ameríndias: A Representação do Índio na Literatura Brasileira e Portuguesa do Século XIX (original) (raw)

Antropofagia ritual e identidade cultural nas sociedades ameríndias: a representação do "Outro" na literatura brasileira e portuguesa do século XIX

2014

n'est pas son usage» 8. Esta é a leitura que Montaigne faz do Novo Mundo. Para o filósofo, leitor de Thévet e Léry, o Éden reencontrado encontra-se ordenado pela variedade, isto é, pela cultura, hábitos, tradições e religiões, «em que é raro encontrar um doente ou um velho trémulo e desdentado, o índio que vive em comunidade e não conhece tráficos ou letras, números ou magistrados, superioridade política, riqueza ou pobreza, contratos, sucessões, divisões, ocupações obrigatórias, roupa, agricultura, metais, que não conhece mentira nem traição, avareza, inveja nem dissimulação, o índio não é passível de ser censurado, nem sequer pelo seu canibalismo» 9 , sublinha Picchio. Ao longo do texto, no qual o teórico mostra respeito por este «homem da natureza a quem o homem civilizado se contrapõe em negativo» 10 , o canibal "brasileiro" surge como o motor de todas as relações e interacções sociais, que vive «sem sofrer a deformação dos ambientes civilizados, e elogia a sua sabedoria primária e organização comunitarista» 11. Em relação aos prisioneiros, o filósofo francês, que encontrara-se com indígenas americanos trazidos à Europa, decorria o ano de 1562, e que tivera por seu informante «un homme qui avoit demeuré dix ou douze ans en cet autre monde qui a esté descouvert en nostre siecle, en l'endroit où Vilegaignon print terre, qu'il surnomma la France Antartique» 12 , precisa que se os Caraíbas 13 tornaram selvagem o seu banquete de vitória, «isso se deve a que a tal foram induzidos pelos verdadeiros bárbaros», ou seja, «os 8

A presença indígena na Literatura Brasileira

Lumen

Resumo: Este artigo é resultado de uma pesquisa realizada por meio do Núcleo de Pesquisa da Faculdade Frassinetti do Recife-FAFIRE, com o objetivo de compreender como os povos indígenas estão retratados na Literatura Brasileira. A pesquisa bibliográfica foi realizada durante os anos de 2020 e 2021, fundamentada principalmente em Bosi (2017), Almeida (2019), Luciano (2006) e Silva (2020), que possibilitaram uma análise crítica acerca da Literatura Brasileira e das culturas indígenas do país. Os resultados apontaram para uma representação estereotipada dos povos indígenas, que os coloca sempre como selvagens ou passivos, ignorando a importância dos nativos na construção do país e nas lutas contra a expropriação pelos colonizadores. Esperamos, portanto, que esse estudo seja um contributo para a discussão étnico-racial no país, por meio da Literatura Brasileira, possibilitando uma perspectiva crítica e social das obras produzidas ao longo dos séculos, a fim de contribuir para uma sociedade menos preconceituosa. Palavras-chave: Literatura Brasileira. Escolas Literárias. Culturas indígenas.

Canibalismo, uma questão de gosto: representações antropofágicas nas cartas e tratados sobre os índios brasileiros no século XVI

Eixo Roda, 2018

Resumo: Reconstituindo o campo semântico da antropofagia, tal como ele emerge na correspondência e nos tratados dos europeus sobre os índios produzidos no século XVI, seria possível se perguntar sobre as consequências de se adotar um outro eixo de interpretação, não mais apenas simbólico – como fizeram, frequentemente, antropólogos e poetas – mas também narrativo. Dito de outro modo, este artigo tenta explorar um campo não tão frequentemente visitado pelos historiadores e críticos literários e procura mostrar que os aspectos ingestivos, mastigativos e digestivos, envolvidos na narração mesma sobre o canibalismo indígena, funcionam segundo uma lógica própria e revelam uma economia da relação identidade-alteridade ainda não debatida suficientemente. Palavras-chave: antropofagia; digestão; narratividade; índios; epistolografia. Abstract: By reconstructing the Anthropophagic semantic field as it emerged in the European correspondence and treatises on Brazilian indigenous populations in the 16th century it would be possible to question the consequences of adopting another axis of interpretation, no longer merely symbolical – as anthropologists and poets often did – but also a narrative one. In other words, this paper intends to explore a field not often approached by historians and literary critics and tries to discuss the digestive, chewed and ingestive issues, which are present in the narration of indigenous cannibalism. Such issues follow a specific logic, revealing gaps in the discussion of the identity-alterity relationship. Keywords: anthropophagy; digestion; narrativity; Brazilian indigenous people; epistolography.

Exótico: Alegorias de Índios do Brasil na Escultura e Arquitetura Portuguesa

2014

Desde a Grecia antiga a humanidade parece cultivar tanto um temor quanto um fascinio pela descricao e contemplacao do outro . Mas foi durante o processo de exploracao e colonizacao das Americas que a representacao desse outro ganhou a maior gama de possibilidades ate entao vistas. Os mitos e estorias de seres fantasticos, como o homem selvagem, se misturaram com a nova realidade dos diferentes povos amerindios. Ha inumeros exemplos desta assimilacao. Veremos neste breve ensaio, por exemplo, como o exotismo dos indios do Brasil saltou aos olhos dos portugueses de uma forma tao marcante que substituiu paulatinamente a tradicional representacao do antigo por um novo homem selvagem na arquitetura e escultura lusa.

LITERATURA INDÍGENA OU INDIANISMO -A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO ÍNDIO FRENTE À LITERATURA NACIONAL

RESUMO A busca pela identidade de uma faz parte do contexto dos estudos literários, o que pode ser percebido ao longo da história da literatura no Brasil, desde o período colonial até a contemporaneidade. Porém, a de se convir que, na maioria das vezes, o índio-enquanto protagonista de sua etnia-é visto sobre a égide indianista. Os textos literários que este protagoniza são reproduções de uma cultura etnocêntrica na qual ainda cabe a classificação de literatura indianista. Desta feita, tomando como base os textos literários constantes nos manuais didáticos com os quais trabalhamos em sala, objetivamos no presente trabalho avaliar a abordagem que é feita nas obras literárias, para tanto, classificaremos os textos em três categorias: indígenas, indigenistas ou indianistas, conforme a perspectiva que estes conferem à cultura e a identidade do índio. E ao final optamos por avaliar como construir a identidade indígena no contexto da sala de aula,por considerá-la essencial a representação entre o erudito e o popular. PALAVRAS-CHAVE: identidade-indianista-indígena-literatura Por que trabalhar a cultura indígena? Falar sobre literatura indígena é, costumeiramente, se fazer uma alusão a textos clássicos da Grande Literatura imortalizados pelo tempo e que facilmente são citados por leitores de varais idades. Mas será que obras como a Carta de Caminha, Caramuru, a invenção do Brasil, Iracema, o Guarani, Ubirajara, Triste Fim de Policarpo Quaresma e Macunaíma, cujos protagonistas "resgatam" a cultura indígena podem se inserir nesta categoria?

Antropofagia ritual e identidade cultural entre os Tupinambá

Revista de Antropologia, 2002

RESUMO: A alimentação do homem é um dado cultural que tem uma importância pelo menos igual àquele pura e simplesmente alimentar. Reservando uma atenção particular à relação que encontramos, entre dado cultural e dado alimentar/ "natural", o presente artigo levará em consideração o fato de que estamos falando de um alimento muito particular: trata-se do homem que se torna, dentro de uma estrutura altamente ritualizada, alimento para outro homem, o qual, por sua vez, vive na perspectiva, altamente significativa para sua cultura, de se tornar, um dia, ele mesmo alimento para os outros. Pelo fato de reconhecer a importância do dado cultural no que diz respeito à alimentação do homem, a Antropologia se apresenta como perspectiva de análise imprescindível. Por outro lado, ela constituirá o esboço de um estudo crítico sobre sua própria caraterística de compreensão/digestão da alteridade cultural. Além do mais, a colocação da antropofagia ritual ("sagrada") no centro de nosso trabalho nos impõe o ponto de vista de uma metodologia de estudo históricoreligiosa. A utilidade dessa perspectiva de estudos está toda contida na adjetivação "ritual", que acompanha esta forma específica de antropofagia. Trata-se, conseqüentemente, de esclarecer esses termos/conceitos (aos quais a escola históricoreligiosa tem dedicado tanta atenção), muitas vezes assumidos de forma acrítica, oferecendo uma significativa contribuição e problematização aos estudos históricos e antropológicos contemporâneos. O presente texto propõe, portanto, uma análise da antropofagia no Novo Mundo nos séculos XVI e XVII, em relação a uma perspectiva, a indagação antropológica, problematizada por uma metodologia de indagação: a História das Religiões. Para tal debate, entendemos nos referir àquela que é conhecida pelo nome de "Escola Italiana de História das Religiões" e que se reconhece no trabalho pioneirístico empreendido por Raffaele Pettazzoni e proficuamente levado para frente por Brelich, De Martino, Lanternari, Sabbatucci, Massenzio.

Narrativa Oral e Escrita: Encontros e Contrapontos Sobre O Mito “A Origem Dos Povos Indígenas” Na Perspectiva De Índios e Brancos

Muitas Vozes, 2014

Narrativa oral e escrita: encontros e contrapontos sobre o mito "A origem dos povos indígenas" na perspectiva de índios e brancos Palabras-clave: Narrativas oráis. Narrativa escritura. Mito indígena. Literatura comparada. Considerações inicias As narrativas, em geral, são elementos significativos da memória coletiva e unidades constituintes das redes de conhecimento que fornecem sentidos e servem, dentre outras funções básicas, para acumulação, armazenamento e transmissão de conhecimentos. Elas são mídias portadoras de

Paradoxos do protagonismo indigena na escrita escolar da Historia do Brasil

O artigo problematiza a forma como o indígena é apresentado na narrativa de dez obras da literatura didática de história, aprovadas no PNLD/2011. Analisamos os temas nos quais os povos indígenas são presença recorrente: a América antes da chegada dos europeus e os primeiros anos da colonização. Argumentamos que a presença indígena nas narrativas não significa a adoção de uma perspectiva que considere sua participação efetiva nos processos históricos abordados pela literatura escolar. O protagonismo indígena está ausente dessas narrativas. Essa ausência tem desdobramentos tanto para a conformação do saber histórico na Escola quanto para a formação dos alunos. De um lado, contribui para a permanência de um saber histórico escolar reiterativo dos princípios estabelecidos para a disciplina ainda no século XIX. De outro, reafirma uma concepção recorrente no senso comum acerca do Índio e de seu lugar social.

Biografias indígenas: o eu e o outro na escrita antropológica

Espaço Ameríndio , 2019

Entre as diversas abordagens que constituem o fazer antropológico contemporâneo, uma, em especial, praticamente não se desenvolveu na história da disciplina no Brasil: a biografia. Este ensaio apresenta um panorama da relação entre a etnologia indígena e o gênero biográfico, com foco nas noções de pessoa e indivíduo e em suas implicações para a escrita antropológica