SÉRGIO SANT'ANNA (original) (raw)

Publicado em 1973, "Uma Literatura nos Trópicos", de Silviano Santiago, contém, entre os vários textos que o compõem, um em especial que trata da ficção de Sérgio Sant'Anna: O Caminho Circular da Ficção. O texto vai se referir ao livro "Notas de Manfredo Rangel, repórter", lançado também em 1973. Ou seja, é um texto crítico que foi escrito imediatamente após a leitura. A ideia deste trabalho é confrontar as afirmações de Santiago, tendo em mãos o conjunto da obra de Sérgio Sant'Anna, e verificar a pertinência delas, assim como investigar se houve, no decorrer da obra de Sérgio, mudanças de rumo ou apenas desenvolvimento do que já estava presente no seu segundo livro. II O núcleo da crítica de Silviano Santiago é que a ficção contemporânea guarda em sua condição o atópico, o excessivo e o suplementar. Seguindo as pegadas de Jacques Derrida, o tecido ficcional se disseminaria a partir da dramaticidade interna que situações e personagens criam. Em outras palavras, a ficção se desenvolveria a partir de um drama. A questão é que para Silviano Santiago, a ficção de Sérgio, dentro do livro analisado (Notas de Manfredo Rangel, repórter) é alimentada única e exclusivamente pela voz narrativa (autorial, autônoma ou impessoal), tornando impossível qualquer desvio a esse molde pré-estabelecido. Essa centralização impediria o aparecimento do acaso dentro do quadro maniqueísta de sua ficção: ou a utopia ou a repetição das verdades das comunidades ou dos chefes. Esse empobrecimento da trama dramática, uma vez que não há transmutação dos valores-eles são o dado inicial e absoluto-, seria o ambiente propício para o homem do ressentimento. Sua ficção, longe da dialética da literatura política do modernismo, seria expressa pela palavra da amargura, do desespero e do ressentimento. Conforme Silviano Santiago, mudam-se as posições, não os valores. Daí porque, se a técnica narrativa é moderna, cheia de situações inesperadas, o tema já não é, fechando as ações dentro do círculo do idêntico. Essa brecha, entre a técnica e o tema, é que proporcionaria o prazer do texto. E por mais que a técnica indicasse uma perspectiva de infinito, esta seria mera aparência, já que o controle autoritário, que exerce a voz narrativa, lhe dá um fim. Silviano ao analisar "Uma visita domingo, à tarde ao museu", chama atenção ao processo de metalinguagem, que põe em evidência os campos opostos da identidade: "Nós estávamos ali, na varanda quadrada. Nós estávamos ali, olhando pra eles, a olhar-nos, olhando pra eles, a olhar-nos, olhando pra eles, a olhar-nos...". Uma reticência a serviço da identidade. O texto de Silviano conclui que, apesar da técnica narrativa moderna, a ficção de Sérgio estaria emparedada por um tom moralizante, cuja seriedade das intenções e os temas binários, tais como "confinamento e liberação", a tornariam refém do existencialismo francês dos anos 40 e princípio dos anos 50: a escritura como um meio de representação de um discurso de representação. III A pergunta que vamos estabelecer diante do texto de Santiago é se de fato existe em Sérgio essa brecha entre técnica e tema. Por outro lado, perguntar se a voz narrativa, sempre tendo em vista o seu livro de contos em questão, realmente impede o aparecimento do acaso. E por fim, considerar se a metalinguagem, em Sérgio, obedece ou não ao quadro tradicional da divisão da identidade em campos opostos. IV Flora Sussekind, em seu livro "Revista do Brasil", ao analisar a prosa literária dos anos 80, vai identificar na figura do narrador uma certa relação paradoxal: ao mesmo tempo que frequenta um espaço privado que lhe proporciona o devido distanciamento em relação a cena, esse espaço não é um quarto sem janelas; o material que o separa do exterior é de vidro. Essa transparência permite, então, tanto o olhar do narrador, quanto o olhar dos personagens. Esse espaço devassado que Luís Alberto Brandão em "Um Olho de Vidro" vai desenvolver, coloca em questão a voz narrativa enquanto centralizadora da trama. Não é à toa a importância do narrador-testemunha dentro da ação (esse narrador-personagem, arquipresente na ficção de Sérgio Sant'Anna). Pois se o narrador não é mais um sujeito uno e pleno, oscilando entre o vazio e a presença, o que dizer então do observador hipotético, externo e autônomo em relação ao próprio narrador? Seja como necessidade de confirmação do que é dito pelo narrador, o que já desmente