SÉRIE ANTROPOLOGIA 261 O OLHAR ETNOGRÁFICO E A VOZ SUBALTERNA José Jorge de Carvalho (original) (raw)

ANTROPOLOGIA NÃO É ETNOGRAFIA

O objetivo da Antropologia é, creio eu, o de buscar um entendimento generoso, comparativo, não obstante crítico, do ser humano e do conhecimento em um mesmo mundo no qual todos nós habitamos. O objetivo da etnografia é o de descrever as vidas das pessoas que não nós mesmos, com uma precisão e uma afiada sensibilidade através da observação detalhada e da experiência de primeira mão. Minha tese é a de que a antropologia e a etnografia são empreitadas de ordens bem diferentes. Isso não é reivindicar que uma é mais importante que a outra, ou mais honrosa. Nem é negar que elas dependem uma da outra de maneiras significativas. É simplesmente afirmar que elas não são a mesma coisa. De fato, isso pode parecer uma afirmação óbvia e, assim sendo, não está longe o fato de se tornar lugar comum -ao menos no último quarto de século -para escritores de nossa área tratar as duas como virtualmente equivalentes, trocar antropologia por etnografia mais ou menos como um capricho conforme o humor os leva ou mesmo explorar o suposto sinônimo como um dispositivo estilístico para evitar a repetição verbal. Muitos colegas, a quem eu tenho informalmente colocado a questão, têm me falado que nos seus pontos de vista há uma pequena, se há, distinção entre o trabalho antropológico e o etnográfico. Muitos estão convencidos que a etnografia reside no núcleo do que é a antropologia. Para eles, sugerir o contrário parece quase anacrônico. É como se voltássemos aos malfeitos velhos tempos -os tempos, alguns poderão dizer, de Alfred Reginald Radcliffe-Brown. Pois, foi ele quem, sedimentando as fundações do que -nas primeiras décadas do século XX -foi a nova ciência da antropologia social, insistiu na absoluta distinção entre etnografia e antropologia. Ele fez isso em termos de um contraste, muito debatido na época, porém pouco ouvido nos dias de hoje, entre investigação idiográfica e nomotética. Uma investigação idiográfica, 1 Tradução e revisão para a língua portuguesa brasileira feita por Caio Fernando Flores Coelho e Rodrigo Ciconet Dornelles, de acordo com texto original publicado em: INGOLD, Tim. Epilogue: "Anthropology is not Ethnography." In: ______. Being Alive. Routledge: London and New York, 2011. pp. 229-243. Algumas notas de rodapé deste texto, originais ao livro, fazem referência a capítulos deste.

A ABRANGÊNCIA DA ANTROPOLOGIA

Antropologia é uma palavra iluminante que chama a atenção pelos dois substantivos que a compõem, ambos de origem grega: anthropos = homem; logos = estudo, e também "razão", "lógica". "Estudo do homem" ou "lógica do homem" são duas possíveis definições distintas, porém convergentes, daquilo que se entende por Antropologia. No primeiro caso, a Antropologia faz parte do campo das ciências -ciência humanatal como a Sociologia ou a Economia; no segundo caso, ela está relacionada a temas que estão no campo da Filosofia, da Lógica, da Metafísica e da Hermenêutica, como se fora uma coadjuvante mais sensitiva.

HISTORIOGRAFIAS DO OUTRO: AS CRÔNICAS ETNOGRÁFICAS

Temas para uma historia latinoamericana I Inflexões da narração. Variações do deslocamento. , 2022

Desde os primeiros momentos da denominada "descoberta" do Novo Mundo, os europeus, começando por Colombo, se interessaram vivamente pela natureza e pelas pessoas que habitavam essas "ante ilhas" ou "Antilhas", como as nomeou o navegador genovês, imaginando que se encontrava nas ilhas anteriores à mítica região de Cipango. O interesse desses primeiros observadores foi motivado, antes de tudo, pela curiosidade diante do exotismo dessas novas terras que pisavam, e pelos hipotéticos lucros que poderiam ser obtidos na extração das suas riquezas. Assim, junto com as notícias da descoberta e da posse oficial da terra, Colombo, mesmo sem compreender a língua das pessoas com as quais tenta comunicar-se, escreve que os recursos são ímpares, e que os

O PROCESSO ANTROPOFÁGICO NO "AUTO DE SÃO LOURENÇO" DE JOSÉ DE ANCHIETA THE ANTHROPOPHAGIC PROCESS IN "AUTO DE SÃO LOURENÇO" BY JOSÉ DE ANCHIETA

A literatura dos primeiros anos de nossa formação, ou seja, do período em que estavam aportados em nossas terras os jesuítas, homens cujo labor era especialmente a educação do ameríndio, foi estudada por alguns teóricos com certo ranço romântico. Isso quer dizer que o olhar para as obras produzidas naquele período minimizou a importância dessa literatura, tratando-a apenas como uma "cópia" da produção portuguesa, sem tanto valor para nossa formação. Os jesuítas que vieram à América tinham como uma de suas principais atribuições a educação religiosa do povo indígena e uma de suas ferramentas mais usadas foi a dramaturgia. Estavam em voga, na Península Ibérica, os Autos de Gil Vicente e é certo que José de Anchieta teve contato com esse estilo quando estudou em Coimbra. Com o objetivo de retificar esse pensamento preconceituoso para com a obra anchietana, neste artigo, propomos uma leitura barroco-antropofágica da peça teatral "Auto de São Lourenço", que foi representada em 1587 onde hoje se encontra Niterói. Com a análise desse corpus, mostraremos o processo de devoração cultural empreendido pelo jesuíta e realizado através da amalgamação linguística. Nessa peça, há a mistura de várias línguas, portanto, de várias culturas. Ou seja, um texto permeado de culturas, como um amálgama, é símile do processo barrocoantropofágico estudado pelo modernista Oswald de Andrade. Este trabalho é resultado de uma pesquisa desenvolvida no âmbito da Iniciação Científica da UFRN.

EPIGRAMAS ALUSIVOS DO HUMANISTA ANTÔNIO DE GOUVEIA

Principia, 2012

RESUMO: O humanista português Antônio de Gouveia compôs epigramas em latim, publicados no século XVI, em Lyon, França, uma das capitais do Renascimento europeu. Sua poesia segue as normas estilísticas da Antiguidade clássica, apresentando uma submissão às convenções da composição genérica e um caráter essencialmente alusivo. A fim de ilustrar tais elementos, examinam-se quatro epigramas contendo alusões a Marcial, Ausônio, Catulo e Virgílio. Palavras-chave: Alusão; Intertextualidade; Epigrama; Renascimento; Humanismo A maior parte da produção literária europeia do século XVI imita a poesia clássica greco-latina. Essa imitação é ainda mais próxima quando se trata dos poetas neolatinos, que não apenas perseguiam os temas e as normas estilísticas da Antiguidade Clássica, mas adotavam a própria língua latina em suas composições, reproduzindo o vocabulário e o fraseado dos Antigos. Este é o caso do humanista português Antônio de Gouveia, que, tendo nascido em Beja, por volta de 1510, desenvolveu toda a sua carreira intelectual na França renascentista, de onde apenas se afastou nos últimos anos de sua vida, passados em universidades do Piemonte, na época pertencentes ao Ducado da Saboia. Nos anos de 1539 e 1540, ele publicou dois volumes de epigramas, intitulados, respectivamente, Epigrammaton Libri Duo e Epigrammata; Eiusdem Epistolae Quattuor. As obras foram editadas em Lyon, um dos mais importantes centros do humanismo europeu, na tipografia de Sébastien Gryphe, cuja atividade alcançou notável prestígio na época. A obra Epigrammaton Libri Duo contém 105 epigramas, ao passo que cem poemas estão reunidos em Epigrammata. Destes cem, 48 epigramas são versões revistas das composições do ano anterior e 52 são peças inéditas. Em toda a produção, fica evidente o caráter alusivo da poesia neolatina de Gouveia. A título de exemplo, podemos apresentar um poema extraído do conjunto de 1539, o epigrama I, 64, intitulado Ad Lectorem, que ocupa a última posição do livro: Sunt mala, sunt quaedam peiora, et pessima plura. Arguit auctorem pagina nostra suum. Há uns maus, há alguns piores, e péssimos a maioria. A minha obra revela seu autor. Esse poema faz referência ao conhecido epigrama I, 16, de Marcial: Sunt bona, sunt quaedam mediocria, sunt mala plura, Quae legis hic: aliter non fit, Auite, liber. São bons, são alguns medianos, e são maus a maioria Do que lês aqui: de outro modo não se faz, Avito, um livro. 1 Gouveia presta uma homenagem vassala a Marcial, colocando-se num patamar inferior, aos pés de seu modelo, ao reutilizar o termo final da gradação existente em Marcial (mala) como termo inicial da sua gradação (mala, peiora, pessima). A comparação entre os primeiros versos de ambos, que leva à humilhação do poeta renascentista, é reforçada pelo predicado verbal arguit auctorem, que abre o segundo verso do humanista português e significa "apontar (ou acusar) o autor": o verso de Marcial, retido na memória pelo leitor ciente da evocação, é confrontado com um novo verso, que se declara (pela comparação)

DESAFIOS DA ANTROPOLOGIA NAS DOBRAS DO TEMPO. CONVERSA COM OTÁVIO VELHO

Revista Mana, 2021

A convite de Mana, às vésperas de seu aniversário de 80 anos, completados em 2021, cinco pessoas entrevistaram Otávio. Amir Geiger, Emerson Giumbelli, Eloísa Martín, Regina Novaes e Ypuan Garcia foram, em diferentes momentos, alunos e alunas em cursos q u e O t á v i o c o n d u z i u n o M u s e u Nacional. Este é também um grupo de ex-orientandos(as), ex-alunos(as), amigos(as) e companheiros(as) de militância. Realizada em 27 de setembro de 2021, a entrevista publicada a seguir serviu como um (re)encontro entre pessoas que tiveram sua formação marcada pelos trabalhos de Otávio. Representa uma homenagem às suas obra e trajetória, tão longevas quanto impactantes. A dinâmica, tal como inicialmente concebida, consistiu em formular por escrito perguntas para Otávio, de maneira que ele já as conhecesse por ocasião da entrevista. Contudo, num autêntico “drible de corpo”, ele preferiu afinal não as receber previamente, deixando para ouvi-las e responder de improviso no encontro síncrono virtual. Por isso, como os(as) leitores(as) perceberão, algumas perguntas (aquelas formuladas com antecedência) possuem elaboração ou tom mais formal, menos improvisado, às vezes contrastando com a coloquialidade ágil, incisiva e generosa das respostas de Otávio . Explorando diferentes aspectos de sua relação com a antropologia, a entrevista mostra quão instigantes e oportunas continuam sendo suas visões e posições.

ANTROPOLOGIA JURÍDICA: UMA CONTRIBUIÇÃO SOB MÚLTIPLOS OLHARES

Scortecci Editora, 2017

Esse livro foi pensado para Estudantes de Direito e de outras Ciências Sociais. Porém, não queria apenas escrever um livro que fosse básico para uma das disciplinas mais importantes do currículo comum – a Antropologia Jurídica. Queria algo mais provocativo (digo “mais”, pois Antropologia já é uma abordagem provocativa!).