A Concepção de Profecia em Avicena (Ibn Sînâ) (original) (raw)
2007, PEREIRA, Rosalie H. de S. (Org.). Islã Clássico: Itinerários de uma Cultura
A PROFECIA NO ISLÃ O Islã define sua origem no evento da profecia (nubuwwa), uma vez que é uma religião fundada em um Livro revelado por Deus, o Corão. Toda revelação exige um Deus que se dirija à humanidade e transmita uma mensagem universal que, entretanto, deve ser distinta de uma inspiração individual, posto admitir-se que Deus também se dirige a cada ser humano individualmente. Como na revelação Deus se dirige, por meio de Seu mensageiro, a toda a humanidade, ela tem necessariamente um caráter social. Enviada ao conjunto da humanidade, a revelação é uma verdade, que deve ser imposta a todos, com regras às quais todos devem se submeter, configurando-se, desse modo, o seu aspecto ético. A fé dos muçulmanos implica a crença na missão dos profetas (sing.: nabī; pl.: anbiyā'), de todos os profetas enviados por Deus. Assim, o Corão retoma o ciclo da profecia bíblica, do Antigo e Novo Testamentos, desde Noé, com o episódio do Dilúvio, e Abraão, que, com os seus, deixou a terra dos ímpios 1 , até "Jesus, filho de Maria (Maryam)", que tem um lugar privilegiado, pois com essa expressão é citado treze vezes e como "Jesus, o Messias, filho de Maria", é citado três vezes. O Corão, porém, inclui alguns profetas de origem árabe, como Hūd e Ṣāliḥ, que foram enviados a povos historicamente não identificados, respectivamente as tribos de c Ād e de Ṯamūd 2 , e Šu c ayb, enviado ao povo de Madyan 3 . Enquanto fé islâmica, porém, sua característica fundamental está na exigência em crer na missão específica de Muḥammad, o último dos profetas e "selo da profecia". Assim, no Islã, a profecia possui tanto um caráter geral, quando se refere a todos os profetas, quanto um caráter particular, quando concerne apenas ao Profeta Muḥammad. 1 Corão XIX: 46-49; e XXI: 71, quando Deus o conduziu, junto com Lot, "à terra por Ele abençoada". 2 Corão VII: 65; 73. 3 Corão VII: 85. Madyan é também citada na Bíblia; designa uma região a leste do Golfo de c Aqaba. 2 Narradas no Corão, as histórias dos profetas anunciam a vontade divina e descrevem a punição à qual estarão sujeitos os incrédulos. Durante o intervalo de tempo (fatra) que separa a vinda de um profeta-enviado de Deus e a do seguinte, a humanidade sem Lei nem Livro está imersa no estado de ignorância (jāhiliyya). Antes da vinda de Muḥammad, era este o estado em que se encontrava o povo árabe. A fatra deve ser entendida como um período de torpor religioso em que não se conhece nem se testemunha a unicidade de Deus (tawḥīd). Os apóstolos ou mensageiros (rusul) de Deus, ou melhor, os profetas-enviados têm como missão esclarecer e precisar o que Deus, desde a pré-eternidade, já concedera aos filhos de Adão: o pacto que confere aos seres humanos o estatuto de crentes e adoradores de um único Senhor. As profecias não devem ser compreendidas como um progresso da revelação, mas como esclarecimentos e chamamentos, uma rememoração do que já fora revelado pelos profetas anteriores. Assim, a missão de Muḥammad situa-se na continuação da dos outros profetas, também enviados de Deus, desde Adão até Jesus. Abundantes são as narrativas no Corão dos profetas bíblicos, Adão, Noé, Abraão, Lot, José e seus irmãos, Moisés, Jonas, Davi, Salomão, João Batista, Jesus e outros ainda, embora nem todos os profetas da tradição judaico-cristã sejam mencionados. Todos eles, porém, foram reconhecidos pelos judeus e pelos cristãos como mensageiros de Deus, contrariamente aos profetas enviados aos povos genuinamente árabes, de Madyan e as tribos de c Ād e de Ṯamūd, que não os reconheceram. Allāh, porém, não fala diretamente aos homens, como se deu com Moisés, que recebeu diretamente de Yaweh as tábuas dos dez mandamentos. Allāh escolheu o Seu mensageiro Muḥammad que, ao receber a Sua Palavra por intermédio do anjo Gabriel, põe termo aos intervalos temporais da "ignorância" (de Deus) e recebe a Lei revelada para organizar uma comunidade de fiéis na espera da Hora do Julgamento final. Pois, findo o envio dos profetas-mensageiros, cabe aos muçulmanos "comandar o bem e proibir o mal" 4 e levar aos povos a vontade de Deus e os direitos dos homens como Suas testemunhas. Cabe ao Avisador 5 , Muḥammad, advertir e encaminhar os que temem a Hora final (do Julgamento): "Não sou mais que um Avisador. Não há divindade além de Deus, o Único, o Invencível" 6 . Ao longo do Corão, as suras repetem que Muḥammad é a Testemunha, o Anunciador, o Avisador. Estas são, pois, as funções do profeta do Islã, Muḥammad. 4 Corão III: 110; 114. 5 Corão LXXIX: 45. 6 Corão XXXVIII: 65.