A EMERGÊNCIA DOS " REMANESCENTES " : NOTAS PARA O DIÁLOGO ENTRE INDÍGENAS E QUILOMBOLAS (original) (raw)
Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo " como ele de fa-to foi ". Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo (Walter Benjamin, Sobre o Conceito de História). Para aqueles que se interessam pela gênese das categorias sociais, ou pela " formação " (no sentido thompsoniano) das classes, estratos ou gru-pos como " sujeitos políticos " , a história do Brasil passa por um momento privilegiado, apesar da apatia, ou justamente por causa dela, que se apo-derou da política convencional. Novos sujeitos de interesse entram em cena, não só por conta do crescimento de grupos e potencialização de " lutas " já existentes, como no caso do Movimento dos Sem-Terra, mas também em função da criação de novas figuras legais, os chamados " direitos insurgentes " (Silva 1994), que penetram nosso direito positivo através dessas rachaduras hermenêuticas que são os " direitos difusos ". A partir deles, ganham espaço as " populações tradicionais " , particular-mente aquelas a que se refere o " Artigo 68 " , conhecidas, desde então, como " comunidades remanescentes de quilombos " 1. Este texto pretende tomar como objeto de reflexão tais criações sociais, feitas simultanea-mente de imaginação sociológica, criações jurídicas, vontade política e desejos. Depois de ter sido aprovado sem maiores discussões como uma das disposições constitucionais transitórias, não tanto pelo seu valor intrínse-co, mas como mais um item no pacote das festividades pelo centenário da abolição da escravatura, o " Artigo 68 " ficou sem qualquer proposta de regulamentação 2 até 1995, quando (então associado às festividades pela memória de Zumbi de Palmares) ganha importância e passa a ser alvo de debates e reflexões em âmbito nacional. Nessas discussões, fun-damentalmente orientadas pela necessidade de responder às demandas de natureza jurídica e legislativa, a questão que desponta como central é