Religiosidade e afrocentricidade na capoeira angola de Porto Alegre (RS) (Ciências Sociais Unisinos, Nº54, 2018) (original) (raw)
Capoeira Angola, educação musical e valores civilizatórios afro-brasileiros
Esportivo de Capoeira Angola e pelos grandes ensinamentos sobre a capoeira, sobre uma nova maneira de pensar o tempo e sobre a vida. Minha eterna gratidão pela colaboração, pela parceria, pela disponibilidade, pela amizade e energia positiva, que caracterizaram todas as minhas passagens pelo CECA e qualquer outro momento.
Todo mundo não é um, paraná! Uma perspectiva etnográfica sobre a capoeira angola
A presente pesquisa constitui uma etnografia junto à Áfricanamente Escola de Capoeira Angola, localizada em Porto Alegre (RS). Trata-se de uma expressão cultural de matriz africana praticada por um grupo de capoeiristas que a concebe enquanto arte de resistência. Através da descrição etnográfica, pretende-se explicitar a atuação deste grupo em sua singularidade, buscando dar visibilidade para a multiplicidade de alianças que constituem sua expressão cosmopolítica.
Psicologia Crítica Africana e Descolonização da Vida na Prática da Capoeira Angola
Tese de Doutorado, 2013
Esta investigação teve dois objetivos centrais: o primeiro visou demonstrar e defender a coerência de utilizar perspectivas teóricas, epistemológicas e metodológicas culturalmente consistentes com a visão de mundo africana para analisar e produzir conhecimentos sistemáticos sobre a prática capoeira Angola. O segundo objetivo buscou produzir uma análise dessa prática social a partir das suas expressões culturais africanas com vistas a identificar o seu potencial enquanto uma práxis comunitária que pode promover descolonização mental e libertação pessoal e coletiva. Para tanto, realizei estudo sistemático de referências fundamentais da Psicologia africana e um Doutorado Sanduíche para aprofundar conhecimentos junto a pesquisadores mais experientes da área nos EUA. A partir da perspectiva africana, analisei processos históricos, políticos, filosóficos e práticos da capoeira Angola, bem como a maneira que eles foram experienciados por duas mulheres, uma branca aprendiz e uma negra mestra de capoeira Angola. A primeira é a própria pesquisadora que assumiu o duplo papel de pesquisadora-participante, e a segunda é a participante que não só colaborou com a sua história de vida, mas também com a confecção do trabalho, assumindo a dupla função de participante-pesquisadora. A análise das diferentes dimensões descritas foi produzida com base em referências teóricas de pesquisadores capoeiristas, ensinamentos de mestres transmitidos de forma oral, conhecimentos encarnados no corpo das participantes, registros em diários de campo de visitas a grupos de capoeira, conversas aprofundadas com a participante-pesquisadora e auto entrevista da pesquisadora-participante. A pesquisa demonstra que a prática da capoeira Angola perpetua conhecimentos linguísticos, ritualísticos, orais, musicais e corporais oriundos de culturas ancestrais africanas. Esses conhecimentos possuem múltiplos sentidos e são articulados de forma multifacetada proporcionando aprendizados sobre a vida em seus aspectos físicos, mentais e espirituais. A análise das experiências dividas pelas participantes na prática da capoeira Angola demonstra que esta cultura tem o potencial de promover uma autorreflexão crítica da pessoa na sociedade a partir da oportunidade de vivenciar e encarnar novas formas se ver, pensar, sentir e viver no mundo. Esta experiência crítica criou condições para que as participantes empreendessem processos de autodeterminação pessoal e coletiva na sociedade. Elas não só descolonizaram suas vidas como aprenderam a desenvolver uma práxis comunitária e libertária nas suas relações pessoais e em seus trabalhos profissionais.
Notas sobre a Religiosidade no Imaginário da Capoeira
Revista Calundu, 2017
A capoeira, como prática do universo da cultura afro-brasileira no Brasil, passa por diferentes momentos, indo da repressão à consagração como símbolo da identidade nacional. Ao longo deste processo, diferentes projetos trouxeram um variado repertório de propostas de entendimento à mesma. Estes projetos relacionam memórias coletivas sobre a prática e definem identidades e lugares sociais que a mesma deveria ou poderia ocupar. A proposta deste artigo é discutir como organizou-se determinadas memórias na construção da identidade da capoeira. Focando na continuidade do imaginário da capoeira do século XIX e na definição de sua ritualística nos anos de 1930 em Salvador, a proposta é interpretar como determinados elementos religiosos vincularam-se à identidade da capoeira.
Brincando na roda dos saberes: A capoeira angola e seu potencial ecoeducativo
Nuances, 2020
RESUMO: Este escrito é fruto do trabalho de tese defendido em 2018 pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFPB), intitulada Brincando na Roda dos Saberes. Por meio de projeto de extensão universitária, a pesquisa atendeu crianças vinculadas a rede de ensino público na cidade de João Pessoa, Paraíba/Brasil, tendo como interesse os enigmas do "brincar capoeira". Traz proposições acerca do ato de educar sob uma perspectiva ecológica, abordando a criatividade, a inteiração socioambiental, o engajamento solidário-afetivo e a reverência aos saberes de tradições populares, eixos transversais para uma prática Ecoeducativa. Considerando a experiência de campo e a fruição dialética dada na prática com teoria, os resultados do estudo perpassam uma noção pedagógico-didática do processo de aprendizagem e ensino com a Capoeira Angola, evocando a partir de seus fundamentos, princípios éticos consonantes a uma "corporeidade ecocentrada". Palavras-chave: Educação; Ecológica; Brincar; Capoeira. Introdução Discutirmos a Educação como facilitadora na interação da Arte e da Cultura, sendo este nosso mote ao que move o apanhado expresso nas linhas e entrelinhas a seguir. A educação e seus desafios contemporâneos revelam sinuosidades sob as quais está passando a sociedade moderna. Como estabelecer uma educação plural potencializando aprendizagens sem que estas sejam invadidas pela dinâmica da comparação competitiva, bases do sistema capital que somos inseridos. Produzir sem degradar. Ler sem necessariamente escrever. Ler os ligeiros transparentes desenhos que se faz no mundo e nos ajudam na formação de nossa percepção, cosmovisão, engendrada a corporeidade por meio do caráter, da personalidade, do modo que escolhemos ser diante a vida. Difunde-se assim a projeção mais ecológica de simplesmente sermos, de dançarmos no jogo da compreensão de sentimentos, emoções e plurais afetos. O que somos senão Natureza?
Este seu trabalho, composto como trilha sonora para a peça de teatro, Besouro Cordão de Ouro, é um marco decisivo na discografia da capoeira. 14 faixas compostas a partir de 14 toques de berimbau, dão ritmos a um passeio pela história da capoeira desde a inesgotável questão da sua origem, em seus elementos afros/brasileiros e culmina na exaltação da figura protagonista: o mítico capoeirista Manoel Henrique Pereira, mais conhecido como Besouro Mangangá. Trata-se de um itinerário marcado por valores intrínsecos à capoeira em sua história de resistência e luta contra as injustiças das mais variadas ordens. Assim como Paulo César Pinheiro, que se define como "elo de ligação entre gerações" (de Pixinguinha aos jovens do presente), a capoeira se mantém, em seus devires contínuos, como uma atividade dinâmica que atualiza suas tradições sem perder o que a faz expressão de alegria e força, a saber: seu espírito revolucionário. É o próprio Paulo César que assim a define: "capoeira nasceu e morrerá revolucionária". Mesmo em tempos de repressão, que culminaram com a sua criminalização no Código Penal brasileiro de 1890, até os dias atuais, nas propostas esportivas em transformá-la em atividade olímpica, ou apelos religiosos, ao enquadrá-la em práticas conversoras de estilo Gospel, a capoeira sobrevive, em grande medida, pelos esforços dos velhos e jovens mestres que, assim como Paulo César, insistem na defesa do espírito libertário e, ao mesmo tempo, plural de uma luta que fez da sua história exemplo de construção de valores inclusivos, sejam raciais, religiosos ou econômicos. Na capoeira, branco, negro, árabe, judeu, cristão, budista, ricos ou pobres, encontram, na roda, o espaço ideal em que a arte, mais do que as crenças e condições sociais, dita o movimento e faz dos corpos partes integrantes de uma dança que atualiza valores ancestrais, mas sempre presentes. Sobre isso e muito mais, conversei com Paulo César Pinheiro que, em tempos sombrios como o que estamos vivendo, aceitou falar sobre a presença da capoeira e, em particular, da figura de Besouro nas suas composições musicais e literárias. Desde a sua primeira experiência com a canção "Lapinha" (1968) até o seu último romance "Matinta, o Bruxo" (2011) percebemos o "zum,zum,zum" de Besouro alçando voo entre letras e sons. Mais do que um elemento, entre tantos outros, que invadiu as narrativas orais populares, a presença de Cordão de Ouro é imagem, para Paulo César Pinheiro, de uma filosofia nascida na observação, na experiência e desenvolvida no combate contra as injustiças. Finalmente, para quem conhece a sua trajetória musical é fácil perceber a sua mandinga poética que dá rasteira nos pesadelos, mordaças e que, diante da tirania, convoca o berimbau para tocar "cavalaria". Se a capoeira é, como diz Mestre Pastinha, "tudo o que a boca come", a música de Paulo César Pinheiro é alimento que mantém acesa a chama de uma arte/luta que, inegavelmente, é a imagem mais própria de uma experiência em que vida e sabedoria convergem em valores irrenunciáveis como a justiça e a liberdade. Como nasceu a sua admiração pela capoeira? Nasceu porque meu parceiro querido Baden Powell fez os seus "Afrosambas" com Vinícius. Eu era menino e ele já falava de capoeira e já tinha, no violão, uma puxada baiano-capoeirística. Isso me chamou muita atenção. Ele morou na Bahia e se envolveu muito com a capoeira e trouxe para mim a cantiga "quando eu morrer me enterre na lapinha", que é parte dos cantos do próprio Besouro. Eu tomei contato com Besouro pela obra de Jorge Amado Mar Morto no capítulo "Viscondes, condes, marqueses e Besouro". Há uma insinuação de que Jorge escreveria um romance sobre Besouro, mas não fez. Eu fiquei com essa ideia na cabeça e, depois de Baden, quando fizemos Lapinha, Besouro se agigantou dentro de mim. A partir de então eu comecei a fazer algumas coisas que remetiam a esse personagem. Personagem rico e pouco explorado até então na Bahia. Na verdade, a ideia não era um livro, mas um filme. No entanto, parti para o teatro e fiz um musical chamado "Besouro Cordão de Ouro" que ficou durante 10 anos em cartaz pelo Brasil. Para fazer essa peça eu tive que entrar nesse mundo e estudar profundamente a história desse personagem. Fui para Santo Amaro (BA) e fiquei 15 dias na casa de um parceiro meu, já falecido, chamado Jorge Portugal. Pesquisei muito sobre Besouro. Saí de lá com algumas fitas k7 com testemunhos de muitos idosos que conheceram Besouro em Santo Amaro. Besouro era um herói popular. Gravei tudo e fiz uma peça. Achava que as músicas que já havia feito seriam parte da peça, no entanto, quando o roteiro ficou pronto, as músicas não tinham muito a ver. Eu tive que criar um repertório novo. A partir dos toques de capoeira que aprendi e decorei fiz as melodias em cima desses toques. Cada música segue um toque diferente (São Bento Grande, Barravento…). Você trabalhou com Mestre Camisa, qual a participação dele na feitura do espetáculo "Besouro Cordão de Ouro"? Fundamental. Conhecedor dos toques e grande tocador de berimbau. No disco temos dois grandes amigos, Camisa e Lobisomem. Grandes mestres que participaram do disco e da peça. Camisa eu conhecia há mais de 30 anos do tempo do teatro opinião e se converteu em um grande amigo no ensinamento e preparação dos atores. Toques e jogos. O que lhe impressiona na figura de Besouro? Besouro era um herói popular. Negro, uma espécie de revolucionário. Saveirista, uma espécie de lenda. Onde Besouro estava as pessoas iam atrás. Muitas histórias de alguém que lutava pelo bem contra o mal. Ele virou lenda. Feiticeiro, corpo fechado no candomblé. Virou Exú Kérékeké. Besouro era o maior capoeirista, segundo Jorge Amado, que tinha paixão por ele. Tinha aura de guerreiro, herói para as crianças. Histórias curiosas e bonitas. Besouro é um personagem de romance mesmo. Você conheceu mestres na Bahia? Sim. Mestre Caiçara, personagem inclusive na peça. Edil Pacheco, parceiro baiano, me apresentou. Caiçara foi cangaceiro do bando de Lampião. Corpo cheio de bala, de tiro. Eu me sentava no pelourinho e conversávamos. Eu adorava ouvir suas histórias. Personagem riquíssimo da Bahia. Quando o conheci já estava bastante velho. Você chegou a frequentar rodas de capoeira? Sim. Eu gostava de ver, tanto no Pelourinho, como nas academias no centro histórico. Sempre gostei. Na verdade sempre tive grande fascínio pelo jogo e toques. Os toques são atraentes, sedutores. Como você enxerga o papel do berimbau na capoeira? É a alma da capoeira. O condutor. Sem berimbau a capoeira fica vazia. É o senhor da capoeira. Os toques são o que determinam o jogo, a dança, a peça fundamental para todo desenvolvimento. A capoeira pode até não ter começado com o berimbau, mas sem ele hoje não tem capoeira. É a força. Como uma corda só, uma vara com arame e uma pedra gera tudo isso? É muito curioso. Naná Vasconcelos, amigo e um dos maiores tocadores de berimbau, tinha um instrumento especial. Um ciúme danado. Fazia coisas que não conheço outro fazer. Para ele tocar berimbau virou algo maior. Você, no disco Capoeira de Besouro, parte da ideia de que a capoeira engravidou na África e pariu no Brasil? Uma metáfora interessante para pensarmos a origem da capoeira, é isso mesmo? Nasceu aqui. Não é africana, mas tem raízes na África. Por isso digo que pariu aqui no Brasil e, neste sentido, é brasileira. Compositores e escritores angolanos me afirmaram não existir capoeira na África. É uma grande invenção em solo brasileiro envolvendo dança, jogo de guerra, defesa e luta. E como você entende a distinção entre Angola e Regional? Sim, têm características específicas, mas não entro nesse terreno. Escuto de fora e não levanto bandeira. Transmito o que sinto. Você chegou a ouvir compositores de dentro da capoeira? Sim. Vários. Diversos discos. Toque que não conhecia como, por exemplo, Barravento eu escutei em um disco de Sérgio Acarajé. É interessante dizer que os capoeiristas que são amantes do jogo, inventam toques novos. Há um processo de criação contínuo. E como foi o processo de criação do Disco? Muito trabalhoso. Eu ouvi os toques, gravava, aprendia e compunha em cima deles. Foram 14 toques para 14 músicas diferentes. Trabalho insano, fui, literalmente, guiado pelos toques.
Leitura Sobre O Negro Na Cidade De Goiás a Partir Da Capoeira Angola
Boletim Goiano de Geografia, 2010
Neste trabalho dedicamos nossa atenção à investigação da territorialidade e da identidade negras como dilemáticas aos integrantes do grupo de capoeiristas angoleiros na Cidade de Goiás, discutindo como estes grupos se (re)constituíram a partir da inserção de seus membros no projeto "Anunciando a Consciência Negra com os Meninos de Angola". Assim, investigamos o significado desta arte negra para as pessoas que participam e se engajam no projeto, bem como alguns rituais e práticas espaciais que orientam suas territorialidades nessa cidade. Nosso objetivo na pesquisa foi compreender o projeto do grupo, que é direcionado para jovens, adultos e crianças, assim como a proposta de resgate da ancestralidade e religiosidade negras, bases da territorialidade e identidade como "capoeiristas angoleiros". Estas intenções nos levaram, paralelamente, a interpretar os próprios ideários relacionados ao modo de ser do capoeirista. Palavras-chave: territorialidade, identidade, religiosidade, capoeira angola.