Antropofagia modernista e perspectivismo ameríndio: considerações sobre a transcriação poética desde Haroldo de Campos (original) (raw)

Haroldo de Campos e a poesia pós-utópica da agoridade

Opiniães

O capitalismo selvagem e predatório e o Estado repressivo e uniformizador caracterizaram o contexto histórico brasileiro após o golpe de 64. Esse cenário, ascende em Haroldo de Campos a necessidade de trazer a produção poética para o agora, para um contemporâneo que não é propriamente um momento pós-moderno, mas antes pós-utópico. Esse trabalho tem como objetivo realizar uma análise do ensaio Poesia e modernidade: da morte da arte à constelação. O poema pós-utópico, de Haroldo de Campos, relacionando-o com o livro Os filhos do barro, de Octávio Paz, o texto Sobre o conceito de história, de Walter Benjamin, e o livro O princípio esperança de Ernst Bloch, de modo a compreender e detalhar os conceitos da poesia pós-utópica. Por fim, esta caraterização visa identificar e ilustrar os traços pós-utópicos expressos na produção poética de Campos, mais especificamente nos poemas o anjo esquerdo da história e dialética do agora – 2, que compõem o livro Crisantempo: no espaço curvo nasce um.

LINGUAGEM MÍSTICO-ANAGÓGICA NOS CANTOS DO PARAÍSO DA COMÉDIA. A perspectiva transcriativa de Haroldo de Campos

Objetivo dessa dissertação é identificar elementos de um diálogo crítico entre Dante e Haroldo de Campos, utilizando textos escolhidos da Divina Comédia e sua tradução para o português brasileiro, realizada pelo defensor do conceito de transcriação. A partir do conceito de anagogia, tradução e interpretação crítica fundem-se, pois a linguagem poética encontra na anagogia uma forma que auxilia a criação de um texto original autônomo par droit de conquête.

Haroldo de Campos: a transcriação poética

Da transcriação poética e semiótica da operação tradutora Haroldo de Campos 5 Por uma poética da tradução 9 Da transcriação: poética e semiótica da operação tradutora 31 Da tradução como criação e como crítica 47 Tradução e reconfiguração do imaginário: o tradutor como transfingidor 63 Para além do princípio da saudade: a teoria benjaminiana da tradução 75 Paul Valéry e a poética da tradução: as formulações radicais do célebre poeta francês a respeito do ato de traduzir 91 O que é mais importante: a escrita ou o escrito? 107 A língua pura na teoria da tradução de Walter Benjamin 123 Tradição, tradução, transculturação: o ponto de vista do ex-cêntrico 133 Haroldo de Campos, José Paulo Paes e Paulo Vizioli falam sobre tradução 151 Referências Da transcriação: poética e semiótica da operação tradutora Por uma poética da tradução Da transcriação: poética e semiótica da operação tradutora Da transcriação: poética e semiótica da operação tradutora 13 gante, informada pelo modo laforgueano de lidar com o sentimento pretensioso e o pretenso bombástico". 5 Uma pequena amostra poderá aqui ser útil. Burlando-se, ao mesmo tempo, da escuta convencional dos professores de latim e da licorosa recepção vitoriana das elaboradas elegias de Propércio, Pound fez uma espécie de "reinvenção" dos versos do poeta latino, com o intuito de acentuar-lhes o gume irônico e resgatá-los da capa mortuária das leituras passivas. Assim, no verso: utque decem possint corrumpere mala puelas e como dez maçãs possam perverter as jovens Pound, não resistindo à oportunidade do trocadilho, traduziu maçãs (malum, i) pelo homófono que significa 'má ação', 'vício' (também neutro com o plural em -a), e escreveu: And how ten sins can corrupt young maidens E como dez pecados podem corromper donzelas Ou, como eu gostaria de retraduzir, aproveitando a "deixa" e extremando o exemplo: E como dez más ações -maçãs, má sina!podem perverter meninas, já que o trocadilho semântico de Pound parece ter sido guiado (e isto Hugh Kenner, de quem extraí o exemplo, deixa de apontar) pelo jogo fônico entre DEcEM poSSINt e TEN SINS... (Para entender o mood ou "tom" que Pound estava buscando reativar em Propércio, é só pensar no Laforgue de coisas assim: Je ne peux plus m'occuper que des Jeunes Filles, Avec ou sans parfum de famille... Não me toco senão por Menininhas Tenham ou não cheirinho de família... No meu "exemplo extremado" fiz, obviamente, um repique trocadilhesco com o mala de Propércio e o sins de Pound ("má sina"), além de brincar com as maçãs do original convertidas edenicamente nas "más ações" da voluntária mistranslation poundiana... 5 POUND. Cantares, p. 8. Em Traduzir & trovar, coletânea de ensaios e traduções meus e de Augusto de Campos (os provençais, Guido Cavalcanti, Dante, metafísicos ingleses e marinistas italianos), a equação terminológica é retomada, já no título. Numa breve nota introdutória, lê-se: "Traduzir & trovar são dois aspectos da mesma realidade. Trovar quer dizer achar, quer dizer inventar. Traduzir é reinventar". 6 E linhas adiante: Este volume expõe-se como um canteiro de trabalho. Poesia que, através da tradução, pode ser vista in fieri: o caráter concluso da obra feita fica provisoriamente suspenso e o "fazer" reabre o seu processo, refaz-se na dimensão da nova língua do tradutor. Uma didática direta. A jornada e o jornal de um laboratório de textos. 7

Utopia antropofágica e dialética da não contemporaneidade em Oswald de Andrade

Princípios, 2022

Este ensaio busca descrever os aspectos gerais do que se poderia chamar de "utopia de Oswald de Andrade". Seu núcleo está na alegorização da justaposição entre modernidade e pré-modernidade, que na obra do modernista figura como esperança de uma via própria do Brasil para uma civilização original e superior, que se beneficiaria de um passado de ganhos da civilização moderna, de modo a saltar a etapa do desenvolvimento burguês. Em seguida, o ensaio traça um estudo comparativo com reflexões marxistas muito semelhantes às convicções de Oswald. Trata-se tanto das intervenções de Marx na questão da propriedade comunal russa, entre 1870 e 1880, como das reflexões de Ernst Bloch sobre a "dialética da não contemporaneidade", em Heritage of our times (herança de nosso tempo). O objetivo da comparação é mostrar a proximidade de Oswald com reflexões que outros autores socialistas desenvolviam a respeito de vias heterogêneas e não etapistas em direção ao futuro pós-burguês, o que poria em perspectiva crítica a necessidade do desenvolvimento das formas capitalistas de produção como condição necessária para uma nova forma social.

Constelações pós-utópicas: sobre a poesia de Haroldo de Campos

2 Parte importante das reflexões aqui apresentadas vem sendo desenvolvida sob os auspícios da interlocução generosa, instigante e precisa estabelecida com o prof. Keneth David Jackson, da Universidade de Yale, a quem sou imensamente grata. Essa interlocução teve início em 2012, durante período em que fui Visiting Fellow, em Yale, com Bolsa de Pesquisa no Exterior/Fapesp. Agradeço, ainda, ao Centro de Referências Haroldo de Campos -Casa das Rosas Espaço de Poesia e Literatura/Poiésis, pela bolsa pesquisador recebida em 2015, que viabilizou um avanço significativo na compreensão da pós-utopia haroldiana, favorecido pela pesquisa no acervo do poeta. 157 estudos de literatura brasileira contemporânea, n. 51, p. 155-181, maio/ago. 2017.

Transcriação e crítica literária: Haroldo de Campos e o papel epistêmico do ícone

Cadernos de Tradução, 2022

Resumo: Que papel o fenômeno da tradução criativa, tradução icônica, ou transcriação, pode ter entre diversas formas de crítica? Vamos examinar esta questão no escopo da divisão sugerida por Umberto Eco, e sua relação com a tese de Haroldo de Campos de "tradução como crítica"-"se a tradução é uma forma privilegiada de leitura crítica, será através dela que se poderão conduzir outros poetas, amadores e estudantes de literatura à penetração no âmago do texto artístico, nos seus mecanismos e engrenagens mais íntimos". Exploramos essa tese através da noção operacional do ícone, e de ícone diagramático, desenvolvida por C. S. Peirce, e do exame da transcriação do poema "The Expiration", de John Donne, por Augusto de Campos. Em nossa abordagem, a transcriação é um ícone de relações. Ela revela, através de uma operação tipicamente diagramática, um sistema multinível de restrições. Nossa abordagem sugere uma perspectiva epistêmica para o ícone, desconsiderada por Haroldo, capaz de re-situar sua tese em um cenário teórico ainda inexplorado.

Antropofagia e perspectivismo: a diferonça canibal em “Meu tio o Iauaretê”

Este ensaio propõe pensar, a partir de “Meu tio o Iauaretê”, de Guimarães Rosa, o devir-índio de um sertanejo e o devir-onça de um índio como jaguaridade potencial do índio, ou seja, como devoração do ponto-devista do outro; sem esquecer o devir-índio de uma onça e a potencialidade canibal (humana) do jaguar, sua capacidade de assumir a posição de sujeito e colocar em questão a dicotomia humano-inumano.

Haroldo de Campos, tradição e paralelismos com a poética borgiana Breve contextualização 2

No Brasil, segundo Schwartz (1993), a figura reinante no campo da literatura na segunda década do século XX era Oswald de Andrade, principal agitador do Modernismo brasileiro. Em 1928, publica-se o "Manifesto Antropófago", que basicamente trata da metáfora do canibalismo como um modo de inserir o homem em determinada cultura, absorvida através de "devoração crítica" (Bitarães Netto, 2004, p. 55). Nesse sentido, a personagem borgiana Pierre Menard poderia ser um exemplo de antropófago, ao pretender transcrever o Quijote borgeano "palabra por palabra" (Borges, 1939). Porém, uma vez que Menard copia em sua totalidade Cervantes, podemos argumentar que a antropofagia é um possível desdobramento de Pierre Menard: trata-se de retomar sem copiar: