Anestésicos, desconhecidos, ausentes: representações sociais das mulheres em situação de violência doméstica no Distrito Federal (original) (raw)
RESUMO A violência de gênero praticada contra as mulheres por seus companheiros foi um dos cernes das reivindicações feministas e pautou diversas movimentações no Brasil na década de 1980. Considerada, no contexto internacional, grave violação aos direitos humanos das mulheres, foi necessário, no Brasil, que houvesse articulação de um consórcio de ONG’s feministas e juristas, aliadas ao contexto normativo internacional e às recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, para que sobreviesse a norma integral no Brasil, a Lei n.o 11.340/2006. Com mecanismos de enfrentamento à violência sofrida pelas mulheres no âmbito doméstico e familiar, a Lei Maria da Penha estabelece um sistema protetivo que não se limita à atuação em juízo, prevendo novas formas de intervenção, visibilizando essa violência e compreendendo-a em aspectos criminais e sociais, dada a sua transversalidade. Adotando medidas mais rigorosas, em desfavor do agressor, algumas de inspiração político-criminal eficientista, com enfatizada simbologia repressiva do tipo prevenção geral, afastou os benefícios e ritos da Lei n.o 9.099/1995 e previu novas atribuições para os órgãos de enfrentamento judicial à violência doméstica. Esse é o objeto desta dissertação, que, em pesquisa qualitativa, do tipo autoetnográfica, na qual interagi com 10 (dez) mulheres, utilizando as técnicas de observação das rotinas e das atividades desempenhadas no campo e de entrevistas em profundidade (a partir do roteiro semiestruturado), realizadas no período de 19.05.2015 a 21.07.2015, e 1 (um) grupo focal, em 14.11.2015, com vítimas de violência doméstica, buscando situar a violência sofrida por elas e aferir como representavam socialmente os órgãos judiciais de enfrentamento à violência de gênero no Brasil: Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública. As entrevistas ocorreram em dois momentos, antes e após as mulheres participarem das audiências preliminares. A partir da análise de suas narrativas, busquei elementos de ancoragem e objetivação, a partir do marco teórico de Serge Moscovici, bem como foram entabulados os discursos do sujeito coletivo (DSC’s). As categorias dos juízes anestésicos, promotores desconhecidos e defensores ausentes emergiram de suas narrativas. Verificou-se como a sala de audiências é um campo excludente das pretensões das vítimas (Bourdieu) e como o fluxo estruturante das organizações jurídicas afasta as pretensões e frustra as expectativas das vítimas (Luhmann), frustrando-as. A ausência de assistência jurídica da Defensoria Pública do Distrito Federal às mulheres com processos em fóruns de cidades-satélites também foi notada, com efeitos prejudiciais para a proteção de seus direitos. As práticas diminutivas da condição feminina tendem a permanecer, sob nova roupagem, mesmo na nova configuração normativa, emergindo a necessidade de tornar a atuação institucional mais sinestésica (Sánchez Rubio), buscando uma maior compreensão dos anseios e necessidades das mulheres e aproximando suas falas, bem como a atuação de defensores públicos para as vítimas, com uma abordagem sensível, afetiva e próxima, que permite tradução de suas expectativas cognitivas à lógica sistêmica. PALAVRAS-CHAVE: Lei Maria da Penha (Lei n.o 11.340/2006); violência doméstica contra a mulher; órgãos judiciais de enfrentamento à violência doméstica representações sociais; discurso do sujeito coletivo. ABSTRACT Gender-based violence perpetrated against women by his companions was one of the centerpieces of feminist claims, specially in Brazil's feminist movements in the 1980s. The Law no. 11340/2006 (“Maria da Penha” Law), regarded as a milestone of violence against women in Brazil, is the result of the articulation between a consortium of Non-Governmental Organizations Feminist and jurists. The international legal framework to combat violence against women and the recommendations of the Inter-American Commission on Human Rights were essential to the advent of the law, which establishes a protective system not limited to activity in judgment, with new forms of intervention, understanding it in criminal and social aspects, given their transversality, and adopting rigorous measures to the aggressor. Remove the benefits and competence of Law No. 9099/1995, and provided new functions to the judicial organs in domestic violence (Judiciary, Prosecutor’s Office and Public Legal Defense), trying sensitizes them to this theme. The purpose of this dissertation, in a qualitative research, using the autoethnography approach, it situate the gender violence suffered by women and assesses how the judicial bodies are represented socially by them. Interviews with victims of domestic violence occurs in the period from 19.05.2015 to 21.07.2015, and the focal group, realized in 14.11.2015. According the analysis of their narratives, I sought the anchoring elements and objectification, as well the Collective Subject Discourse (DSC’s), from Serge Moscovici's theory. The categories of anesthetic judges, unknown prosecutors and absent public defenders emerged from their narratives. The courtroom is an excluding field of women's claims (Bourdieu) and the structuring flow of legal organizations, frustrating victim’s expectations (Luhmann). The absence of legal assistance provided by the Public Legal Defense to women with processes in not central courthouses was also noted, with injurious effect to the protection of their rights. Emerges the need to make the institutional activities with more synesthesia (Sánchez Rubio), seeking greater understanding of the concerns and needs of women and bringing their discourse. Public defenders must act with a sensitive approach, affective, which allows translation the women’s expectations in cognitive logic systemic. KEY-WORDS: Maria da Penha Law on Domestic and Family Violence; Gender- based violence; Social representations; collective subject discourse.