Historiografia Brasileira: Oliveira Vianna e a "civilização brasileira" (original) (raw)
2004, Anais do XIV Encontro Regional de História da ANPUH-MG
Juiz de Fora, julho de 2004. 1 Historiografia Brasileira: Oliveira Vianna e a "civilização brasileira" Alex Alvarez Silva (graduando do curso de História da UFMG) Nosso objetivo é analisar a reconstrução histórica do Brasil produzida na obra Evolução do Povo Brasileiro, de Oliveira Vianna. 1 A escolha da obra deve-se à sua característica sintética, cujo objetivo é o de reunir toda a história do Brasil, caracterizando-o como uma civilização particular, dotada de uma estrutura e de uma dinâmica social específicas. A intenção de nossa aná lise é a de contribuir para uma história da história do Brasil, apreendendo e discutindo, a partir dessa obra, a reinterpretação que seu autor fez da história brasileira, a partir de determinados conceitos da história sociológica de sua época. Francisco José de Oliveira Vianna (1883-1951) nasceu em Saquarema, no estado do Rio de Janeiro, e se diplomou na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, onde também foi professor. Foi autor de uma vasta obra sociológica e, após 1930, formulou para o governo Vargas programas de revisão constitucional e o arcabouço da legislação trabalhista e sindical. Seu prestígio como sociólogo se iniciou com a publicação do primeiro volume de Populações Meridionais do Brasil em 1918. Em 1932 foi nomeado consultor jurídico do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, onde se tornou o principal formulador da política sindical e social do governo até 1940, quando saiu do Ministério e foi para o Tribunal de Contas, voltando novamente sua atenção aos trabalhos sociológicos. Quando faleceu em 1951, Oliveira Vianna já estava marcado na intelectualidade brasileira pela sua participação no governo Vargas e pelo seu apoio à ditadura de 1937. Buscava, como jurista e sociólogo, elaborar um modelo de organização social a partir da realidade brasileira, evitando propor a aplicação de modelos sociais "importados" da Europa e distantes das necessidades e particularidades do Brasil. Ao longo de seus livros, Vianna traçou um "diagnóstico" sociológico dos "males" brasileiros, identificando na história do Brasil fatores de ordem psicossocial e político-social que teriam impedido a evolução do povo brasileiro em uma nação brasileira. Acreditamos que, dentre os livros de Oliveira Vianna, Evolução do Povo Brasileiro expõe sinteticamente os traços históricos gerais do Brasil que o autor utilizou em seu diagnóstico da sociedade brasileira. Não pretendemos esgotá-lo ou superá-lo em nossa análise, mas traçar e discutir a "visão do Brasil" elaborada nele por seu autor. O que nos 1 VIANNA, Oliveira. Evolução do Povo Brasileiro. 2ª edição. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1933. Anais do XIV Encontro Regional de História da ANPUH-MG Juiz de Fora, julho de 2004. 2 interessa é a lógica interna de seu discurso histórico sobre o Brasil, ou seja, de que modo Oliveira Vianna articulou eventos e durações da história brasileira em uma totalidade, e qual é o Brasil histórico que emerge de sua leitura -suas permanências e rupturas com o passado e sua projeção para o futuro. Como qualquer discurso histórico, Evolução do povo Brasileiro reúne alguns eventos e exclui outros, "amarrando" os elementos da história brasileira de maneira específica e construindo, assim, uma narrativa histórica própria. Nossa atenção concentra-se, portanto, no que P. Ricoeur chama de tessitura de intriga de uma narrativa 2 , ou seja, na articulação específica que Oliveira Vianna faz dos elementos da história brasileira, integrando-os, ao seu próprio modo, em um discurso total sobre o Brasil. Relacionados entre si em uma totalidade narrativa que os reúne, os eventos ganham inteligibilidade e sentido histórico, compondo um quadro geral da história brasileira. Em seu discurso histórico sobre o Brasil, emerge, portanto, uma visão ou leitura parcial do Brasil, mas que ainda assim o aborda como uma totalidade. O quadro geral e histórico do Brasil composto por Oliveira Vianna revela-nos, mais do que sua articulação específica dos eventos históricos, uma articulação histórica específica do tempo brasileiro e de suas durações. Utilizando as categorias históricas de Reinhart Koselleck 3 , podemos dizer que, em seu presente, Vianna articulou o passado, o "espaço de experiência" brasileiro, em uma totalidade inteligível, apreensível pelos homens de sua própria época de modo que não se confundissem ao olharem para a profusão de eventos do passado. O nosso objetivo é discutir esse Brasil que Vianna apresentou para os homens de seu próprio tempo, pois a partir do sentido conferido ao passado brasileiro apontam-se projeções futuras para o Brasil. Uma vez articulada, a experiência passada desvela as possibilidades para o futuro, alargando as previsões sobre os caminhos que se desdobram ou não no "horizonte de espera" do Brasilpensar o que o Brasil foi significa pensar quais eventos do passado pesam ou não sobre seu presente e que influência eles teriam em seu futuro. Para Koselleck, a articulação que cada época faz entre passado-presente-futuro revela seu "tempo histórico", a maneira particular que cada época tem de se situar temporalmente entre o passado e o futuro e o sentido histórico que ela atribui a si mesma. Essa articulação tem o conhecimento histórico como seu lugar por excelência e é por isso que, ao analisarmos o Brasil de Evolução do Povo Brasileiro, temos 2 RICOEUR, P.