Uma prosa com Karl Marx: indústria da cultura e materialismo cultural (original) (raw)

São Paulo, 4 de setembro de 2018. Caro Marx, espero que esteja bem, Escrevo da cidade de São Paulo, Brasil, a maior metrópole da América Latina. Um país que fora colonizado por Portugal e o último país da América a abolir a escravidão de negros sequestrados da África. Por aqui a situação não segue muito bem! Desde 2016 vivemos um período de grave retrocesso em vários âmbitos: político, econômico e cultural. O investimento do Estado em cultura e educação é irrisório, e grande parte de jovens pesquisadoras e pesquisadores nos encontramos sem perspectivas (no fundo, desesperados!) quanto às possibilidades dignas ao futuro. Isso sem falar nas manobras estatais com relação às leis trabalhistas. Acredito que ninguém da minha geração imaginou viver essa realidade caótica. Digito esta carta, (agora não é mais necessário manuscrever como na sua época), um dia após um grave incêndio que ocorreu no Museu Nacional, localizado na cidade do Rio de Janeiro, antiga capital do país; esse trágico incêndio no Museu, o maior de história natural da América Latina, foi resultado da ausência de investimento do Estado e mais um indício do abismo para onde o Brasil está caminhando. Desse modo, talvez, essas linhas podem soar um tanto melancólicas e até pessimistas. Me perdoe, mas não conseguiria escrever de outra maneira. Como você mesmo nos ensinou com o seu método, o materialismo histórico-dialético, as condições materiais de existência orientam o nosso olhar sobre os fatos concretos da realidade social e, assim, as transformações históricas iniciam-se a partir das bases materiais da existência humana, em que o ser humano se cria e se recria. Todavia, no processo atual, a esperança de uma revolução socialista não se encontra na ordem do dia. Claro que há organizações e movimentos radicais à esquerda, mas a base do capitalismo parece ter nos capturado da maneira mais sórdida possível. Se me permite, tomarei a liberdade de falar com você de maneira informal, a fim de tornar objetiva uma interlocução que te fato eu cultivo na minha prática acadêmica e de pesquisa. Espero que isso não te incomode. Apenas para situar algumas mudanças contemporâneas, desde a década de 1970 a nova ordem do mundo se estrutura no que chamamos de neoliberalismo, "um sistema normativo que ampliou a sua influência ao mundo inteiro, estendendo a lógica do capital a todas as relações 1 Doutora em Sociologia (Unicamp). Atualmente é Pós-Doutoranda em Sociologia junto a mesma instituição. Bolsista da Fapesp.