A Encruzilhada da Psicopatologia (original) (raw)
2012, Associação Brasileira de Psiquiatria Biológica - ABPB
Quem esteve presente naqueles primórdios da Psiquiatria Biológica brasileira, no inicio dos anos 80, não poderia imaginar, por mais otimista, que "psiquiatria biológica" se tornaria praticamente um termo redundante, pois a psiquiatria como um todo se tornou de orientação biológica. É o que indicam as evidências, uma das principais delas o fato de que a "Molecular Psychiatry" é, de longe, a revista de maior impacto em Psiquiatria atualmente. Os trabalhos das principais revistas de psiquiatria são voltados às ciências básicas ou às ditas ciências hard, núcleo sólido das ciências naturais (outrora filosofia natural). Tudo isso é magnífico para a psicopatologia experimental e empírica. Porém, aqui e ali aflora questão agudizada já à época do Methodenstreit ou da disputa entre as ciências naturais e as humanas/culturais, com as quais Jaspers lidava: essa orientação das ciências hard basta à psiquiatria? Muitos afirmarão categoricamente que sim, que é o único caminho para o conhecimento em psicopatologia. Outros responderão igualmente, mas acrescentarão que isso se dará no futuro, sendo que, por motivos práticos, ainda precisamos da velha psicopatologia originária da clínica e com boa dose especulativo-intuitiva, teórica e até filosófica. Afinal, a psiquiatria é a especialidade médica que menos se apoia em evidências no seu propósito de cuidar dos pacientes. Ainda não dispomos de marcadores biológicos, de fórmulas ou algoritmos plenamente válidos para a maioria dos casos que encontramos na clínica. Portanto, falta muito a investigar cientificamente (hard) para que possamos finalmente prescindir daquela psicopatologia descritiva e teórica (soft). Outros dirão, ainda, que esse futuro é muito distante e inatingível, de modo que o afã de tudo explicar nos moldes das ciências naturais não passaria, na prática, de um ideal. Uma orientação frutífera, porém inatingível. Há ainda os que pensam no problema para além de uma questão prática. Para estes, a questão é de princípio. Estaríamos lidando, para sempre, com coisas diferentes. Tudo bem que uma influa na outra, ou que uma torne a outra possível, mas seriam dimensões diferentes: a natural e a humana. Seja como for, interessa-nos aqui saber a respeito da relevância da psicopatologia tradicional, notadamente de teor descritivo e conceitual (em diante designada simplesmente de psicopatologia), na psiquiatria atual. Nesse sentido, é digno de nota que a própria World Federation of Societies of Biological Psychiatry-WFSBP elaborou recentemente consenso a respeito, intitulado Psychopathology in the 21st Century