ENTREVISTA COM O PROFESSOR JOSÉ EDUARDO FARIA (Parte II) (original) (raw)

270 que pela cultura jurídica reinante na Faculdade de Direito. Você concorda com essa observação? José Eduardo Faria: Sim, de certo modo eu disse algo nesta linha no final do primeiro depoimento. A rigor, pela minha própria origem familiar, meu itinerário intelectual deveria ter sido determinado pelo pensamento jurídico uspiano, já que meu pai foi professor na Faculdade de Direito, meu tio-avô foi catedrático e diretor, além de ter ocupado, por um curto período, a reitoria, e um contraparente ter sido ministro do Supremo Tribunal Federal. Por diferentes fatores, contudo, jamais fui sensível à cultura jurídica uspiana, com seu excesso de formalismo, seus ritos e seus mitos. Pode parecer paradoxal, mas, desde calouro, nada disso me tocou a alma ou me influenciou. Pelo contrário, achava aquilo tudo uma demonstração de irrealismo, de descolamento com a realidade de um país que, entre os anos de 1940 a 1980, havia sofrido uma forte alteração em seu perfil geo-ocupacional. A USP que conheci, de fato, foi aquela criada em 1935 por Júlio de Mesquita Filho, com seu projeto humboldtiano de fazer da Faculdade de Filosofia a alma mater das diferentes áreas de especialização, uma unidade na diversidade, capaz de forjar uma visão de mundo de feições liberais. E o que moldou essa minha visão da USP foram as redações de O Estado de S. Paulo e do Jornal da Tarde. Quando entrei na redação pela primeira vez, em 1968, passei a ver -e até a conviver -com editorialistas que eram docentes formados entre as primeiras gerações de alunos dos professores franceses trazidos pelo Dr. Júlio, como Claude Lévi-Strauss, Pierre Monbeig, Roger Bastide e outros. O liberalismo sempre foi a linha política do jornal e esses franceses, bem como seus alunos que se converteram em docentes, editores e editorialistas, aprofundaram essa linha de caráter liberal clássico com rigor. O ambiente de redação sempre me encantou, como disse na primeira parte da entrevista. Nunca fui advogado ou parecerista. No universo jurídico, tornei-me docente no ano imediatamente após minha formatura e jamais deixei de utilizar, como objeto de discussão em sala de aula, acontecimentos políticos e fatos econômicos que julgava importantes do ponto de vista histórico e que eram debatidos na redação. Bianca Tavolari (Coordenação e Edição) Bianca Tavolari, Celso Campilongo, Fernando Rister e Orlando Villas Bôas Filho (Entrevistadores) 271 Só você fazia isto naquela época? Não. Há algo que não destaquei na parte anterior e diz respeito ao fato de que a carreira acadêmica na área de ciências humanas e sociais deve estar vinculada a uma exposição pública na discussão de grandes temas de interesse da coletividade. Basta ver meus artigos no Estadão e no JT. Eles não eram textos jornalísticos, mas também não eram ensaios acadêmicos. Era algo híbrido, que aprendi com um grupo de professores da USP que trabalharam na empresa, no qual se destacaram, por exemplo, Oliveiros Ferreira, professor de ciência política da USP, Rolf Kuntz, professor de filosofia política da USP, ambos livredocentes, e Sábato Magaldi, que chegou a titular da disciplina de teatro brasileiro na Escola de Comunicações e Artes e sentava-se quase ao meu lado no JT. Mais tarde, surgiria Moacir Amâncio, professor da área de literatura da USP. De certo modo, se puder fazer uma comparação, diria que nosso perfil estava próximo do de Raymond Aron, que era, aliás, reverenciado pela família Mesquita. Tão reverenciado a ponto de ter sido recebido