O padrão duplo de cidadania das teorias políticas modernas (original) (raw)
2017, Coleção XVII Encontro ANPOF - Psicanálise e Gênero
O feminismo é um fato social significativo na história da humanidade tanto pelo número de agentes envolvidos quanto pela influência de tais agentes no conjunto das relações sociais, sejam elas de natureza política, ideológica, econômica ou afetiva. No entanto, suas lutas, discussões e propostas pouco aparecem nas visões gerais apresentadas sobre a história das ideias políticas ou sobre a política dos Estados modernos. Além disso, os teóricos e filósofos políticos, praticamente todos homens, definiram a política como algo atrelado a um conjunto de atributos comumente pensados como masculinos ao mesmo tempo que concebiam os atributos femininos como não adequada ao político e próprios à domesticidade e ao privado. Nesta comunicação procurar-se-á explorar algumas das críticas feministas às teorias políticas, em especial às teorias liberais, pela maneira que descreveram e enquadraram as mulheres no início da modernidade e por problemas considerados persistentes até a época atual. Dar-se-á especial atenção ao tema da igualdade por ser este um dos principais alvos da crítica feminista contemporânea. Nesse sentido, procurar-se-á evidenciar um padrão duplo de cidadania para a aplicabilidade das regras liberais gerais, utilizado por teóricos do final do século XVII. Tal padrão enfatizava uma natureza humana de aspecto duplo (atribuindo os privilégios da liberdade e da igualdade a todos os homens ao mesmo tempo que estabelecia a existência de subordinados naturais) e apoiou-se em duas teorias do contrato: a do contrato público-social e a do contrato privado-doméstico. O padrão duplo de cidadania apresenta problemas ao conceito de igualdade universal que, por sua vez, é criticado por feministas por seu aspecto especulativo (de pressupor que tratamentos iguais geram o mesmo tipo de resultado), por implicar uma avaliação negativa das diferenças e conduzir ao dilema da igualdade-diferença (incorporar o padrão de sujeito/indivíduo masculino ou assumir o feminino?). De igual forma, as teorias políticas modernas deixaram o cuidado e o mundo do doméstico de fora de suas teorizações possibilitando ao mercado e ao Estado agirem como free riders desse conjunto de atividades necessárias à vida humana e social ao mesmo tempo em que funcionavam como um obstáculo à igualdade, à liberdade, e à autonomia das mulheres, produzindo e reproduzindo desigualdades e injustiças entre os gêneros. Por fim, a clássica dicotomia entre público-privado será discutida levando em consideração algumas versões existentes de “público” bem como a divisão efetuada dentro do privado para nele enquadrar o mundo do doméstico e das relações familiares afim de criar uma esfera favorável ao domínio masculino, protegida de qualquer regra pública ou política.