CRÍTICA FEMINISTA: Uma contribuição para a história da literatura (original) (raw)
(PPGLET/UCS) INTRODUÇÃO A história da literatura, após um período de dominação nos estudos literários, iniciou um processo de decadência que coincidiu com a ascensão da crítica e da teoria literária. No entanto, correntes literárias que se desenvolveram durante o século XX, tais como formalismo e estética da recepção, possibilitaram a revitalização desses estudos que se desenvolveram substantivamente, com a contribuição de conhecimentos advindos de vários campos, entre eles a Nova História e os Estudos Culturais. Atualmente, as relações entre história, crítica e teoria têm sido muito produtivas para todas essas áreas, na medida em que cada uma delas contribui para o avanço das demais. Assim, a história da literatura se vale da crítica literária e da teoria para estabelecer parâmetros de valor mais adequados que referendem a formação do cânone, não mais como conjunto de obras escritas por autores que pertencem a uma casta privilegiada, mas aberto a múltiplas possibilidades. A crítica feminista desenvolveu-se, mais precisamente, na segunda metade do século XX. Aponta-se, em geral, duas modalidades de desenvolvimento da crítica feminista, uma visa ao resgate de obras escritas por mulheres e que, no decorrer do tempo, foram relegadas ao ostracismo; a outra tem por meta fazer uma releitura de obras literárias, independentemente da autoria, considerando a experiência da mulher ou seja, procura detectar, através do estilo, da temática e das diferentes vozes do texto, a relevância da voz feminina e os traços de patriarcalismo que perpassam a obra. Dessa maneira, pretende-se apresentar, neste texto, como a crítica literária feminista pode ser um dado que subsidie a escrita de uma nova história da literatura sob o signo do gênero. 1 HISTÓRIA DA LITERATURA A história da literatura, na contemporaneidade, tem apresentado orientações diferentes daquelas que tradicionalmente eram atribuídas à disciplina. Incorporando 407 novas maneiras de entender a literatura, como o formalismo, na década de vinte e, posteriormente, a estética da recepção, nos anos sessenta do século XX, questões fundamentais, tais como a estruturação do cânone, passaram a ser questionadas, modificando-se o modo de ser da própria disciplina. O avanço dos estudos culturais também contribuiu para a transformação dessa área. Pode-se situar o início da história da literatura, de acordo com Acízelo de Souza (2006), em torno de 1500. O percurso da disciplina comportou uma série de modificações, desde os primórdios quando consistia na escrita de crônicas sobre autores e obras ou na compilação de textos, tais como ocorria com os múltiplos Florilégios e Parnasos, até ser constituída com a utilização da metodologia da ciência histórica, cujo ápice ocorreu no século XIX. Souza (2006: 91) aponta como requisitos essenciais para a construção de uma história da literatura: a completude da narrativa, a explicação de uma época através das relações de causalidade; a utilização, nas obras, da língua nacional. Esses aspectos estão relacionados, em certa medida, às questões do nacionalismo, tema relevante ao Romantismo, o que fomentou a criação de histórias da literatura fundamentadas no conceito de nação. No século XIX, preponderavam modelos filosóficos com base cientificista, tais como evolucionismo, determinismo, positivismo, os quais exerceram significativa influência nas ciências de um modo geral e, em especial, na história. Elevada a uma posição dominante, a história estendeu a outras áreas sua metodologia o que, no caso da literatura, oportunizou a organização da história da literatura. A história da literatura, para estudar autores e obras, incorporou conhecimentos de ciências que se estavam organizando, tais como a sociologia, a psicologia e a filologia. Françoise Perus (1997) aponta como aspecto relevante para essa modalidade de conhecimento, o conceito de literatura como disciplina autônoma com caraterísticas próprias. Acízelo de Souza (2003) define a história da literatura oitocentista como uma narrativa épica, centrada no projeto nacionalista, cuja motivação consistia na construção da nacionalidade através do processo cultural, lembrando que essa era a missão dos escritores românticos. Um dos aspectos relevantes dos estudos de história da literatura diz respeito ao cânone, conjunto de autores e obras reconhecidos pela academia, a partir de critérios nacionalistas e religiosos, tornando-se marco referencial para os estudos literários. Maria Eunice Moreira (2004) chama a atenção para o interesse dessa disciplina no estudo do espírito do país, constituído por costumes, religião, leis da pátria, portanto, a 408