Reflexões sobre uma territorialidade xamânica Tikmũ´ũn/Maxakali 1 (original) (raw)

Abstract

Resumo: Os Tikmũ´ũn/Maxakali recusam radicalmente limites e padrões impostos pelo violento processo de colonização da região. Falam seu idioma, manejam remédios e venenos dos brancos, gastam seu dinheiro com fogos de artifício, cachaça e rituais quase diários, endividando-se em estabelecimentos comerciais que os exploram criminosamente. Mantém um corpus mítico-sonoro com dezenas de rituais e milhares de cantos que celebram e atualizam relações com seres encantados-cantores da Mata Atlântica-yãmĩy-, e descrevem, em experiências xamânicas dias e noites a fio, com exuberância de detalhes, animais, plantas, lugares e eventos que dão vida a seus territórios hoje contaminados e devastados por pastagens. As cidades e fazendas em torno-muitas delas antigas aldeias, onde os pajés ainda escutam cantos ressoando, indicando a presença de yãmĩy ancestrais-são hoje território de relações hostis e abusivas com comerciantes e fazendeiros. O desejo de estabelecer e alimentar alianças com esse aspecto à princípio invisível da alteridade, que se compõe com o costume de caminhar até locais antigos e novos, (re)encontrar parentes de outras etnias, aliados xamânicos-e seus cantos e saberes-, os próprios brancos-e a cachaça, o forró, o açúcar-, frequentemente faz com que grupos de Tikmũ´ũn saiam das aldeias e caminhem, por dias ou semanas, sob chuva ou sol, avançando por cercas e estradas, percorrendo seu território. Ao fim das viagens, como ao fim dos rituais, cantam lamentando de saudades. Palavras Chave: "Tikmũ´ũn/Maxakali";"Territorialidade";"Xamanismo";"Circulação" Os Tikmũ´ũn/Maxakali compõem seus modos de pensar e experimentar o mundo, sua produção e partilha de saberes, suas relações entre si, entre seus outros (fazendeiros, parentes, aliados), e com os lugares por onde passam e habitam, com as relações que estabelecem e atualizam com os yãmĩyxop (o sufixo xop funciona como um coletivizador e dinamizador), os "povos-cantores", ou "povos-encantados" que adensam seu universo. Ou seja, não há separação entre o que seria uma esfera religiosa e performática (seus rituais, seus cantos e danças, suas pinturas) e dimensões relativas a sua ciência, política, estética. Todo dia é dia de ritual, e todas as pessoas são pais e mães que alimentam e conduzem yãmĩy, donos de cantos. É com os yãmĩy que os Maxakali caçam, cantam, brincam e realizam curas, e realizam suas práticas de memória, seus percursos territoriais, seus conhecimentos sobre o mundo, seus modos de se relacionar e se transformar, sua produção de subjetividades (Guattari, 2012 [1992]). Os cantos são polifônicos em todos os 1