A negação - Sigmund Freud (original) (raw)

2 Contrariando uma certa corrente francesa, em particular a representada por Lacan e seguidores, não optamos por traduzir "Verneinung" por "denegação" -e muito menos por "negativa", como quer a tradução brasileira (S. Freud, Obras Completas, v. 19. Rio de Janeiro: Imago, 2006, p. 295). A impropriedade de "negativa" parece tão óbvia que mal merece discussão. "Verneinung" é o termo mais genérico possível para o ato de dizer não; a "negativa" aplica-se a um caso particular e específico desse mesmo sentido. Quanto à disputa entre "denegação" e "negação", haveria vários argumentos a ser levados em consideração. Em primeiro lugar, embora haja momentos no texto em que "denegação" poderia ser o termo mais adequado para traduzir "Verneinung" (quando o sentido é psicológico, de desmentido, de recusa de uma suposta afirmação), há outros momentos (quando o sentido é o da gramática ou da lógica) em que seria incorreto não chamar "Verneinung" de "negação", pura e simplesmente. Para desdobrar a "Verneinung" em dois outros termos, teríamos que decidir, a cada momento em que ela comparece (sem garantias contra o erro e a arbitrariedade), qual o mais adequado. Há outros argumentos igualmente simples, a favor dessa escolha: "Verneinung" é o oposto de "Bejahung" (afirmação) -e isso desde sempre na língua alemã, não apenas em Freud. Seria, portanto, errado opor à "afirmação" a "denegação" em vez de "negação". Além disso, na língua portuguesa o substantivo "negação" abrange perfeitamente as duas acepções, a lógico-gramatical e a psicológica. Por último, um argumento de fidelidade ao modo como Freud encarava as questões de terminologia em psicanálise. Em Die Frage der Laienanalyse [A questão da análise leiga], um texto de 1926, aliás contemporâneo do texto Verneinung (Gesammelte Werke [doravante gw], v. 14. Frankfurt: S. Fischer Verlag, 1948, p. 222), diz Freud: "... wir lieben es in der Psychoanalyse im Kontakt mit der populären Denkweise zu bleiben, und ziehen es vor, deren Begriffe wissenschaftlich brauchbar zu machen, anstatt sie zu verwerfen" [... na psicanálise gostamos de ficar em contato com o modo popular de pensar e preferimos tornar seus conceitos cientificamente úteis, ao invés de rejeitá-los]. Ora, "negar" e "negação" são termos correntes da fala cotidiana, ao passo que "denegar" e "denegação" são termos intelectualizados, sofisticados, distantes do nosso "modo popular de pensar".