O rei que esmorece e a rainha sanhuda: a crise dinástica de 1383-1385 através das emoções nas crónicas de Fernão Lopes (original) (raw)

Dois cronistas, dois reinos e duas crises dinásticas: Fernão Lopes e Pero Lopez de Ayala na cronística ibérica dos séculos XIV e XV

Doutoranda -Scriptorium/UFF) Nossa proposta neste texto é construir um panorama de questões acerca das relações entre escrita, história e poder nos séculos XIV e XV, tendo como referenciais primordiais as crônicas régias do português Fernão Lopes (1380-1460) e do castelhano Pero Lopez de Ayala (1332-1407). Colocando-nos como historiadores contemporâneos determinados a analisar as conexões entre narrativas e poder na Baixa Idade Média logo pensamos nas relações entre literatura e política para o período de nosso estudo. No entanto, como atentou Michel Zink, os termos "literatura" e "política" são anacrônicos em sua atribuição ao medievo 2 . Mas como podemos compreender as narrativas e o poder na Idade Média? Existiria uma literatura e uma política medieval? Como complementou Zink, a palavra "literatura" 3 para o contexto é ambígua, mas ao mesmo tempo inadequada e insubstituível. Sem dúvida, existia no medievo uma consciência da atividade literária em seu conjunto e sua especificidade, assim como a consciência de um corpus literário. Porém, não devemos esquecer que os elementos que envolvem o fictício e o gratuito na nossa compreensão da literatura contemporânea não podem ser simplesmente atribuídos à literatura medieval 4 . A literatura que podemos entender para o medievo se alimenta do político e foi modelada por ele, até mais que em outras épocas 5 . Zink lembra que se até a Idade Média Central havia teólogos, filósofos e poetas, cujas obras se encontravam fora do campo político, mas esperando influir nele, ao final do período medieval observar-seia o inverso: os conselheiros dos príncipes, que são antes de tudo juristas e homens políticos, escrevem a partir do campo de suas competências. É o momento na corte francesa, por 1 Texto aceite para publicação no e-book: Vânia Leite Fróes; Jean-Claude Schmitt. (Org.

Memórias melancólicas: a morte do Rei D. Duarte no discurso cronístico de Rui de Pina (1440-1522/1523)

Rui de Pina (1440 - 1522/1523) foi o responsável pela escrita das crônicas dos primeiros monarcas da Dinastia de Avis no século XV, sendo os principais relatos das mortes dos reis construídos pelo cronista português. Na crônica de D. Duarte, principal fonte de nosso texto, Pina dedicou os primeiros capítulos para narrar a morte e o sepultamento de D. João I (1385-1433), e os últimos capítulos para a narrativa do passamento de D. Duarte (1433-1438), o rei biografado. Nota-se nesses relatos grandes diferenças nas características e simbolismos nos discursos evocados sobre a morte dos dois soberanos, enquanto no Mestre de Avis evocou-se o ideal de "boa morte", ao seu sucessor edificou-se uma memória de um falecimento melancólico. Objetivando entender a construção do discurso da "morte melancólica" do segundo rei de Avis, analisamos obras escritas pelo monarca, como outras narrativas sobre a sua vida, que reforçaram a concepção de melancolia, que viria a ser evocada nos relatos da sua morte. Portanto, com ênfase na crônica registrada por Rui de Pina, propomos analisar como se construiu o que entendemos por "memórias melancólicas" nas narrativas da morte do Rei D. Duarte.

Estratégias de Legitimação do Reinado de D. João I (1385 - 1433) nas Narrativas de Fernão Lopes e Gomes Zurara

Mosaico, 2018

O reinado de D. João I (1385-1433) foi marcado por diversos aspectos utilizados em seu governo como estratégias de legitimação política, e outros que seriam reforçados mais tarde nas narrativas cronísticas com a mesma intenção de dar legitimidade à dinastia recém-entronizada. Dentre essas estratégias, selecionamos quatro que acreditamos terem sido fundamentais nesse processo: a aliança com a Inglaterra por meio do Tratado de Windsor (1386); o casamento do monarca português com a filha do Duque de Lencastre, Dona Filipa; a conquista de Ceuta em 1415 e o início da expansão territorial além-mar; e a evocação do poder régio por meio de cerimônias simbólicas de exaltação a autoridade régia, como as chamadas "entradas régias". Propomos analisar como as memórias desses eventos estão presentes nas narrativas, especialmente na Crônica de D. João I, de Fernão Lopes e na Crônica da Tomada de Ceuta de Gomes Zurara, e como esses elementos foram evocados como estratégias de legitimação ...

Memória(s) do rei D. Pedro: episódios não incluídos na Crónica de Fernão Lopes

Guarecer. Revista Electrónica de Estudos Medievais, 2017

Resumo: Estudo de episódios da vida do rei D. Pedro I de Portugal não incluídos na Crónica de Fernão Lopes, especialmente de algumas histórias sobre a aplicação da justiça. A transmissão textual e o enquadramento destas histórias revelam modos diferentes de apropriação e construção da imagem deste rei. Palavras-chave: D. Pedro de Portugal; memória histórica; tradição manuscrita; historiografia e literatura portuguesa tardo-medieval e alti-moderna.

Renembrança e mundanall afeiçom: concepções de tempo na obra de Fernão Lopes (século XV

Introdução Para os homens e mulheres do ocidente medieval, a verdade consistia naquilo que possuía uma presença do sagrado. A verdade estava e era o próprio Deus. Santo Agostinho (354-430 d.C.) -pensador do final do período antigo, mas que já apresentava uma preocupação com as mudanças e com a ascensão do cristianismoelabora uma teoria acerca da interioridade. A partir dessa teorização era possível perceber a verdade como proveniente da inspiração divina. O homem deveria partir em busca da verdade em seu interior, que para Santo Agostinho possuía a marca do celestial, já que o homem fora criado à imagem e semelhança de Deus. A verdade nesse sentido era a religiosa, crível, compreendida e incontestável (MARCONDES, 2011, p. 112). Ainda, na Idade Média a verdade era assegurada a partir da autoridade de quem a detinha e a propagava. As tramas dos acontecimentos históricos eram interpretadas como encaixes de peças no grande plano de Deus. Posteriormente, no final da Idade Média surge o gênero cronístico para que os acontecimentos fossem deixados na memória, numa tentativa de compor o passado e ordenar o presente (FRANÇA, 2006, p.25). Essa memória e sua construção possuía como principal aliada a temporalidade. A narração dos eventos em ordem cronológica em crônicas históricas que ajudam a legitimar e selecionar memórias. Foi a cristandade medieval que inseriu-nos na estrutura linear do tempo cristão. O tempo é a medida da história. Santo Agostinho em seu livro Confissões, discorda da proposição dos antigos que afirmavam o tempo como o movimento dos astros e dos corpos celestes. O teólogo encontra as respostas para as suas perguntas -Que é, pois, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei;