Mito e Natureza como percepção de Deus segundo J.R.R. Tolkien (original) (raw)
2019, Anais do V Simpósio do Programa de Estudos Pós-Graduados em Teologia da PUC-SP
As obras do inglês J.R.R. Tolkien mais conhecidas são os romances O Hobbit e O Senhor dos Anéis. Lançados, respectivamente, em 1937 e em 1954-55, as narrativas tratam das aventuras de seres imaginários num mundo de fantasia que alimentam o apetite pelo maravilhoso há gerações. Menos conhecida é sua produção acadêmica, elaborada durante décadas a partir das atividades do escritor como professor de filologia e literatura na Universidade de Oxford. Dentre tais obras, encontramos o ensaio On Fairy-Stories, originalmente elaborado como conferência em 1939 na universidade de St. Andrews, na Escócia, e ampliado e publicado em 1947. Nesse texto Tolkien discorre sobre a definição, origens e funções das fairystories, associando-as aos mitos e inserindo seu estudo dentro do debate filológico do século XIX, assim como a perspectivas filosóficas e teológicas em relação à produção literária. O ensaio é considerado uma das mais importantes contribuições teóricas de Tolkien, ao lado de sua pesquisa sobre o poema Beowulf, e entendido hoje como um marco incontornável para seu campo de estudos (FLIEGER&ANDERSON, 2014, p. 9). É significativo que a elaboração do trabalho tenha acontecido justamente entre a escrita e a publicação de O Hobbit e os volumes de O Senhor dos Anéis, caracterizando uma unidade temática e intelectual entre a teoria literária e a prática de criador de mitos. Como recorte para esta comunicação, escolhemos analisar trechos de parágrafos nos quais Tolkien (2014, p. 40-44) reflete sobre a tripla face de tais narrativas, a mística, a mágica e a especular, com o objetivo de compreender o processo da composição dos mitos. No contexto dessa definição, na seção sobre as origens, existe um debate sobre a validade da pesquisa comparada de motivos, cenas e personagens que se repetiriam nas várias narrativas englobadas na categoria fairy-story. Segundo o ensaísta, essas investigações podem carregar elementos de verdade, mas a busca pela natureza de tais narrativas não pode ser encontrada em estudos comparados que se fundam no método analítico, pois somente a apreciação dos detalhes particulares garante a descoberta da beleza e da verdade numa determinada obra literária. Com essa perspectiva, o foco da busca das origens é alterado, saindo das três hipóteses da filologia comparada: a) invenção (a mais importante e misteriosa); b) herança; e c) difusão para uma inquirição acerca do surgimento das narrativas fantásticas, mitos ou fairy-stories, considerados fenômenos da mesma natureza na mente humana, no processo gnosiológico e produtivo que sustenta a fabricação de enredos.