MEMÓRIA E THANASIMOLOGIA POLÍTICA NO SERTÃO DE PERNAMBUCO INTRODUÇÃO 1 (original) (raw)

2020, Sociologia e Antropologia

Este artigo fala dos mortos nas vidas dos vivos e dos vivos nas vidas dos mortos. Ele deriva de uma pesquisa posicionada, desde 1999, no sertão de Pernambuco, especificamente no município de Floresta, localizado na mesorregião do São Francisco e na microrregião de Itaparica, a cerca de 500km de Recife. Ali, essa relação entre vivos e mortos é regulada pela memória, pela vingança e pela política, levando-se em conta a indissociação desses aspectos aos da religião, do território e, evidentemente, do sangue, da família e, enfim, do parentesco. O objetivo deste artigo é o de mostrar a necessidade, tão sincera quanto estratégica, de posicionamento no mundo por meio da constituição e manu-tenção da memória dos mortos para a fabricação e exaltação de uma família, 2 termo cujos sentidos são cambiantes e polissêmicos. Esse argumento é susten-tado pelo núcleo etnográfico do texto: o personagem de Totonho do Marmelei-ro, cuja morte ocorreu, segundo os relatos dominantes atualmente, no meado do século XIX, em meio à caatinga, a 16km da fazenda Ema; esta, por sua vez, distante 42km da sede municipal de Floresta. Pretendo mostrar que a celebra-ção recém-criada em sua homenagem funciona como uma mnemotecnia capaz de celebrar a memória de um morto que, por sua vez, torna-se o meio de enfa-tizar a unidade, a força e as dimensões de uma família há muitas décadas posicionada longe da administração de Floresta, mas também de fazer comu-nidade e de reunir pessoas em torno de um ritual religioso. Essa família é co-sociol. antropol. | rio de janeiro, v.10.01: 221-242 , jan.-abr., 2020 http://dx.