A Laranja Mecânica de Stanley Kubrick: um percurso de nosso tempo (original) (raw)
Esse texto é uma análise de alguns momentos-chave do longa-metragem Laranja mecânica (1971), de Stanley Kubrick, que é baseado, por sua vez, no romance homônimo de 1962, de Anthony Burgess. A hipótese interpretativa é de que Kubrick não buscou reconstruir o livro fotograficamente, mas, em vez disso, utilizou aquele escrito para produzir um comentário bastante crítico, e no calor do momento, a respeito de qual seria um devir possível de toda aquela rebeldia juvenil que tomou conta de vários países ao longo dos anos 1960. Daí tomarmos emprestado parte do título do ensaio “Verdade tropical: um percurso de nosso tempo” (2011), de Roberto Schwarz, já que, basicamente, o crítico lê a autobiografia de 1997 de um dos principais expoentes da rebeldia libertária dos anos 1960 e 1970 no Brasil – o cantor Caetano Veloso – como literatura e enxerga o próprio como uma personagem sócio-historicamente típica, isto é, uma figura que expressaria “as verdades e as contradições das forças históricas em movimento em uma determinada formação social” (Cevasco, 2014, p. 196). Veloso, desse ponto de vista e ao qual aderimos, encarnaria o conformismo e a resignação de toda uma geração da esquerda radical, que resistiu acomodando-se à nova ordem e que, por isso mesmo, passou a fazer a única política possível, adaptando-se a um sistema de exploração e de opressão que dizia combater, apesar de toda tentativa de parecer que ainda o combata. A suspeita é que, ao se debruçar sobre um futuro posterior aos anos 1960, Kubrick também tenha conseguido captar e antecipar – na própria montagem do filme – alguns dos giros em falso que toda aquela transgressão indiferente, ou até mesmo conscientemente contrária, à tomada do poder ensejava. Apesar das diferenças, que são mais óbvias e flagrantes, veremos uma estrutura política comum entre os jovens rebeldes do longa e da realidade, a qual residiria em uma atitude de pura subversão em relação às práticas e aos valores estabelecidos, rejeitando tudo até que, por uma série de motivos, ironicamente se encontrariam na posição de adaptação sob a percepção da inexorabilidade e da onipotência do modo de vida que se diziam contrários. Isto é, nesse escrito, estou interessado na metamorfose do centrismo da rebeldia de um espírito cético contrário a uma totalidade para uma conformação flutuante – ambas tendo como fundamentação a percepção de uma unidade e coesão entre as forças políticas em disputa.