Memória & Patrimônio Volume I (original) (raw)
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A efemeridade da condição humana estabelece um estatuto incontornável e ao mesmo tempo definidor da sua natureza: a vivência colectiva e progressiva do tempo histórico. A eternidade é divina ou banal, é para os deuses ou para as entidades sem consciência. Daí que o Homem, superando as condições da natureza e aquém do estatuto dos deuses, se encare prospectivamente como um ser imperfeito mas perfectível. A Humanidade é, assim, entendida de um modo colectivo e progressivo. Supõe-se uma concepção linear progressiva e teleológica da História. A condição humana não se esgota com o indivíduo, tal como o indivíduo não se completa na mera consciência de si. A colectivização do processo histórico é uma das matrizes da civilização ocidental que se impôs ao Mundo. Esta realidade implica pois uma consciência social e uma consciência histórica. Todas as sociedades, muito particularmente as formadas sobre a matriz ocidental, têm uma dinâmica perpetuadora que visa não a mera sobrevivência mas a consumação daquilo a que poderemos chamar o fim da História, seja numa visão apocalíptica e redentora, seja numa concepção laicizada e terrenal. Há pois um fito, e há uma incapacidade, ditada pela morte, do indivíduo aspirar pelos seus exclusivos meios à consumação desse fim. Daqui deriva uma ética, um altruísmo implícito no comportamento humano que direcciona o esforço individual no sentido do colectivo e do vindouro. Assim como a interiorização consciente da insuficiência de cada um nos força ao reconhecimento da herança que recebemos, do mesmo modo, nos responsabiliza como transmissores e acrescentadores dessa herança. Pode dizer-se que a razão do génio humano é o desejo oculto, ou mesmo declarado, de ludibriar a morte, de impor ao futuro a marca de uma presença esgotada. Seja verdade, mas se a obra genial se cinge à simples imposição, estará, mesmo que a prazo, sujeita ao esquecimento por rejeição. A herança deve ser reconhecida e assumida pelo herdeiro. Estamos, assim, versando o étimo da palavra Património (do latim, patrimonium) que se refere, justamente, aos bens obtidos por herança paterna. Superemos o âmbito restrito desta raíz etimológica e, por alargamento do conceito à generalidade dos homens e à culturalidade dos bens, chegaremos à definição mais lata de património cultural. 2. Monumentos e documentos. O domínio da matéria desanimada sobre a vida consciente é esmagador. A banalidade da matéria inerte é eterna, e o que ora se afirma só não é inteiramente desconsolador porque o Homem, enquanto ser consciente da sua efemeridade, assume-se com uma identidade colectiva e abstracta que, atravessando os séculos, vai deixando a marca do seu génio e da sua caminhada. O Homem faz-se herdeiro, como já dissemos atrás, acrescenta essa herança e lega-a. Através de uma aquisição acumulada de conhecimentos que é sucessivamente transmitida, a Humanidade supera os limites impostos pela Natureza. Nesta oposição Homem / Natureza, se o desconsolo imediato cabe ao homem enquanto individualidade, o triunfo cabe-lhe também, entendido já não individualmente mas como membro de um colectivo. E esse triunfo é assinalável. Em pedra, símbolo da eternidade que supera o tempo e a morte, símbolo também da inconsciência da matéria que, depois de talhada, ganha um significado cultural e histórico, atestando já não o domínio da matéria bruta, mas o triunfo do Homem sobre a sua própria condição de ser mortal. Digamos que, pelo trabalho da pedra, o Homem manipula o carácter intemporal da matéria a seu favor. Eis como todo o edifício escolhe preferencialmente a pedra como material, é um desafio ao domínio esmagador da morte, exprime um desejo de perpetuação, lega ao futuro uma marca, simboliza uma preocupação existencial e é , sempre, obra de uma acção colectiva. Seja um menir megalítico, uma catedral gótica, uma pirâmide faraónica, um templo grego, um obelisco, um arco triunfal, ou o que quer que ocorra. Seja a pedra ou outras soluções consentidas pelo avanço da técnica: o ferro ou o betão. Excluímos, naturalmente, desta categoria, todas as edificações cuja finalidade é eminentemente funcional. Esta admite-se
Informação, Patrimônio e Memória
Editora UFPB, 2015
Os conceitos de informação, patrimônio e memória vem ganhando destaque dentro de várias áreas do conhecimento. Na área de Ciência da Informação ainda é recente a sua presença, com isso ainda não possui uma conceituação sólida sobre esses conceitos. Essa fragilidade conceitual levou ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação – PPGCI da Universidade Federal da Paraíba propor a realização de seminários com o objetivo de construir um arcabouço conceitual, a partir de uma discussão interdisciplinar, com áreas que também tratam dos fenômenos Informação, Patrimônio e Memória de modo independente e de suas ações integradas. A viabilização desse evento se dá por meio do projeto Patrimônio Cultural, Gestão da Informação e Responsabilidade Social, do Programa Nacional de Pós-Doutoramento – PNPD da CAPES. Nesta primeira versão os diálogos com a Ciência da informação serão com as áreas de Museologia e Arqueologia. O referido evento contou com a presença de pesquisadores das áreas de Museologia, Ciência da Informação e Arqueologia, bem como de docentes do PPGCI/UFPB, oriundos das regiões Sul, Sudeste, Nordeste e Norte do país. Em sua organização, foram distribuídas durante três dias, as durante três dias, as palestradas dos conferencistas e mediadas por membros do corpo docente do PPGCI. No primeiro dia foi discutida a relação dos conceitos sob o olhar da museologia, no segundo sob o olhar da Ciência da Informação e no terceiro dia pelo olhar da arqueologia. O presente livro conta com as reflexões e questionamentos oriundos das palestras proferidas.
Escrita de si com e sem reservas Patrimônio e Memória
Patrimônio e Memória, 2020
Resumo: O memorial acadêmico é um relato autobiográfico que se estrutura na confluência da exigência burocrática e da narrativa de si, se apresentando como uma manifestação privilegiada da memória de indivíduos que se destacam em suas carreiras profissionais, atingindo níveis superiores da carreira acadêmica. Neste artigo buscamos, a partir de treze memoriais acadêmicos de professoras aprovadas em concursos de titularidade nos Departamentos de História e Antropologia na USP e na UNICAMP entre 2000 e 2015, discutir algumas questões referentes à condição feminina, em particular, sobre as dimensões de classe, raça e gênero. O escopo documental também oferece elementos para a problematização dos processos de construção da escrita de si, tendo como referenciais a ego-história e a auto-etnografia, a partir de marcadores sobre origens familiares; herança, obra e legado, atividades profissionais; gênero e corporalidade. Palavras-chave: Memorial Acadêmico; Memória; Ego-História; Auto-Etnografia. Self writing with and without moderation: feminine academic memorials held (USP – UNICAMP, 2000-2015) Abstract: The academic memorial is an autobiographical account that is structured at the confluence of the bureaucratic requirement and the self-narrative, presenting itself as a privileged manifestation of the memory of individuals who stand out in their professional lifes, reaching higher levels of the academic career. In this article, we sought, from thirteen academic memorials of professors approved in tenure contests in the Departments of History and Anthropology at USP and UNICAMP between 2000 and 2015, to discuss some issues regarding the female condition, in particular, about class conditions, race and gender. The documentary scope also offers elements for problematizing the processes of building self-writing, having ego-history and self-ethnography as references, based on markers about family origins; inheritance, work and legacy, professional activities and corporality. Keywords: Academic Memorial; Memory; Ego-History; Self-Ethnography.
MEMÓRIA E PATRIMÔNIO DOCUMENTAL
1993
Em 1993 fomos em companhia da arqueóloga Maria Lucia Franco Pardi e do arquiteto José Saia Neto a Ribeirão Preto participar de seminário que a Prefeitura desenvolvia com vista a estabelecer política de preservação do patrimônio cultural da cidade. Essa foi a comunicação que apresentamos na noite de 7 de maio para um público bastante interessado.
Memória e Artifício - Matéria do Património II
O presente livro constitui o segundo volume de um conjunto de publicações que acolhe os contributos de investigadores participantes nos Encontros Interdisciplinares sobre a Matéria do Património. Trata-se um programa de discussões nascido em 2002 por iniciativa da Sociedade de Geografia de Lisboa. Este volume é um recurso comparativo de reflexão para ajudar ao esclarecimento de questões que hoje confrontam investigadores e de técnicos envolvidos com matérias do património, e cujo trabalho se vê condicionado por novas realidades impostas por legislação nova e solicitações institucionais multiplicadas.
Patrimônio: uma jornada de coleção e memória
Este artigo tem como intuito apresentar uma revisão bibliográfica sobre o conceito de memória e patrimônio. Para tanto, buscamos passar por autores clássicos de ambas as áreas. Construímos conexões entre o infraordinário e a macro categoria objetificada e jurídica do Patrimônio conceito (com " p " maiúsculo). Apesar de Patrimônio ser um termo polissêmico, que apresenta diversos significados no tempo e no espaço, e que permite, por sua vez, diversas leituras, estabeleceremos os pontos de contato da Nação como objeto como coleção. Ao tratar disso e a partir do conceito de Chauí (2000), compreendemos que ela é o próprio semióforo, porém se utiliza de vários componentes para se manter como tal. Esses elementos são representações e narrativas. Assim, entendemos que na esfera patrimonial, o colecionador-Estado é o da nação, isto é, a nação-projeto que se quer construir, um mosaico-espelho a refletir o nacional que se quer representar.