Traições, intrigas, fofocas e vinganças. Notas para abordagem etnográfica do conflito (original) (raw)

Da narrativa da aventura à aventura da narrativa – etnograficidade: algumas vicissitudes

Interfaces Científicas - Humanas e Sociais, 2014

O presente artigo é uma revisão bibliográfica que tem como foco evidenciar algumas discussões sobre a mudança do método na etnografia. Se o típico método de representação do social era a constante contrastiva participar versus observar, há uma mudança do eixo da descrição para o da narração. O ponto de vista que me interessa aqui é mostrar a importância da ênfase na narração para o entendimento da nova relação que se estabelece entre ficção e realidade. Relação esta que é preconizada pelo movimento Impressionista, o qual marca justamente a mudança de ênfase da descrição externa de um objeto imobilizado para o recurso da narração com a participação interpretativa e viva do real pelo autor. O que se coloca em dúvida é o pressuposto básico da arte mimética. As novas discussões teóricas se definem no contexto intelectual das culturas de que fazem parte os antropólogos e se expressam nos debates sobre modernidade e pós-modernidade. As dúvidas são postas sobre a representação em si e não...

Raça, identidade, identificação: Abordagem histórica conceitual

Resumo A raça, uma construção sócio-histórica, é um conceito fundamental para entender a história do Brasil e da humanidade. Constata-se sua transversalidade em relação a como se estruturam as relações entre grupos dentro de uma sociedade e entre diferentes sociedades, vis à vis as formas como as características físicas das pessoas são percebidas e classificadas. Assim, neste capítulo, a evolução do pensamento racial brasileiro é posta em relação com a problemática do encontro com o outro na sua alteridade, a construção de taxonomias a partir do século XVIII e a maneira como a ideologia racial determina a assimetria de relações entre as categorias de classificação, ao serviço dos processos de colonização e escravidão da época moderna. É apresentado um histórico da classificação étnico-racial no Brasil, através dos censos e pesquisas domiciliares, para finalizar com um estudo de conjuntura das tensões e conflitos contemporâneos associados a processos de discriminação e preconceito ainda arraigados nas sociedades.

Engajamento e recusa etnográfica

2021

Este artigo propõe um diálogo entre pesquisadores que se inquietam em suas investigações por uma temática em comum: o engajamento e a recusa etnográfica na pesquisa em Antropologia do Direito. Atentando-nos para o campo de pesquisa empírica, pretendemos tensionar os parâmetros gerais que parecem constituir o ouvir, o olhar e o escrever etnográfico no campo das pesquisas empíricas em direito. Para tanto, partimos da experiência de AUTOR, que discute as inquietações etnográficas junto aos Borum do médio rio Doce e de AUTORA, que faz o mesmo em relação à situação da criminalização de travestis em Belo Horizonte. Os diálogos entre as pesquisas elencadas são profícuos para introduzir pontos cardeais nos desafios contemporâneos da pesquisa de campo, quais sejam: engajamento como consequência e fundamento da construção de confiança em campo, e a recusa em apresentar certos dados etnográficos.

História e conflito no 'De correctione rusticorum'

Signum, 2016

De correctione rusticorum, carta supostamente escrita pelo bispo Martinho de Braga em resposta a indagações de ordem pastoral a ele apresentadas por outro bispo de nome Polêmio, é célebre na tradição documental. A partir de seus elementos formais pretendemos discutir a que público foi dirigido o sermão incluído na carta bem como os objetivos visados por seu percurso argumentativo. Procuraremos mostrar que ao invés da lógica do conflito cultural - sob a qual foi muitas vezes abordado - o texto é testemunho de uma pastoral centrada na percepção histórica do tempo e que a referência que faz às superstições está subordinada a este imperativo.

Desafios metodológicos da etnografia nos Estudos para a Paz

Revista Paz y Conflictos, 2021

A etnografia é uma metodologia de pesquisa qualitativa que possui caráter descritivo e interpretativo. Entende-se que esta ferramenta metodológica proporciona estratégias alternativas de compreensão da realidade social. Essa metodologia mais aberta e flexível se torna uma opção para os Estudos para a Paz (EPP), cuja imersão na dinâmica sociocultural local é fundamental para a transformação de conflitos e construção da paz. Assim sendo, o objetivo deste artigo é identificar quais são os principais desafios metodológicos da utilização da etnografia nos EPP. Para isso é necessário, primeiramente, descrever a metodologia de pesquisa etnográfica, em seguida, verificar suas contribuições nos EPP e, por fim, analisar os desafios de sua aplicabilidade dentro desse campo. O presente trabalho providenciará um arcabouço teórico para auxiliar pesquisadores e peacebuilders na instrumentalização da etnografia em iniciativas voltadas à construção da paz. Logo, realiza-se uma pesquisa de caráter qualitativo e interdisciplinar, baseada na análise bibliográfica e revisão de literatura, para entender o estado da arte da metodologia e sua aplicação nos EPP. Pressupõe-se que a etnografia, embora apresente dificuldades, seja uma eficiente ferramenta para a compreensão das realidades sociais e que, consequentemente, auxilia no desenvolvimento de alternativas para a transformação de conflitos e construção da paz.

Gênero e guerra: uma etnografia com grupos de WhatsApp conservadores que atuam no Brasil

SOUZA, Aknaton T.; ROSA, Pablo O. Gênero e guerra: uma etnografia com grupos de WhatsApp conservadores que atuam no Brasil. GT 01. 12 Seminário Nacional de Sociologia & Política da UFPR, Curitiba, 2022. , 2022

O artigo apresentado propõe uma análise acerca dos discursos sobre gênero e sexualidade produzidos no processo de hipermilitarização brasileira. Decorre de uma investigação conduzida pelo método etnográfico que envolveu grupos de Whatsapp auto identificados como conservadores e cristãos que apoiam diretamente o presidente Jair Bolsonaro. Em um primeiro momento, será analisado o papel dos estudos de gênero e sexualidade no processo de militarização e em seu recrudescimento decorrente da razão neoliberal. Na sequência, será apresentada uma investigação sobre as eleições de 2018 e o governo de Jair Bolsonaro, verificando como que a instrumentalização e propagação da noção de guerra cultural passaram a ser utilizadas com o intuito de conferir certa legitimidade em suas ações cada vez mais veementes em relação aos seus adversários políticos. E por fim, através dos dados etnográficos e documentais, será averiguado como que os estudos de gênero e sexualidade passaram a ser mobilizado nessa guerra, servindo de justificativa moral para fins políticos e econômicos.

Etnografia, ou a teoria vivida

Ponto Urbe Revista Do Nucleo De Antropologia Urbana Da Usp, 2008

Este texto foi preparado para a conferência inaugural do seminário "VI Graduação em Campo", do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo, em 20 de agosto de 2007. Agradeço a José Guilherme Magnani a honra do convite, que me permitiu participar do entusiasmo, da diversidade de temas e da qualidade da pesquisa de campo de alunos de graduação de várias instituições do país, assim como da organização impecável do evento pelos alunos do NAU/USP. 1 Inicio com uma constatação elementar-a de que conceitos acadêmicos, assim como outras idéias da nossa experiência, mudam no tempo e no espaço, isto é, são históricos e são contextuais. Nenhum conceito tem um significado perene e, especialmente, nas ciências sociais, a vida dos conceitos reflete o que Max Weber definiu como sua "eterna juventude". Para Weber, essa era uma característica positiva das ciências sociais e refletia um otimismo raro nele-o de que, por definição, essas ciências seriam sempre jovens, sempre em processo de elaboração e sofisticação, sempre renovadas. A etnografia, antes 2 Dessa perspectiva da "eterna juventude", não é surpresa verificar que a idéia do que seja etnografia tenha uma história longa e freqüentemente espiralada, ou pendularmodificamos nossa concepção de etnografia, muitas vezes para voltar, revigorados, a um ponto familiar. Como em outros momentos na antropologia, devemos a Malinowski uma perspectiva que propunha e defendia a etnografia quando definiu a apresentação do kula como "interna", "etnográfica", isto é, em consonância com a prática e a perspectiva dos trobriandeses. Malinowski evitava uma descrição que chamou de "sociológica", resultado de uma observação "do lado de fora"-ele a considerava importante, sim, mas dizia que a utilizava apenas quando indispensável para dissipar Etnografia, ou a teoria vivida