Liberalismo,o direito e o avesso (original) (raw)
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Revista de Sociologia e Política, 2004
A liberdade diz-se de muitos modos: liberdade do querer, do fazer, autonomia, participação política, direito. A liberdade emprega-se também de muitos modos: como simples palavra ou como conceito, como arma política ou elemento doutrinal, como idéia reguladora ou apelo à experiência. E a liberdade, por dizer-se e empregar de muitos modos, deixa-se ainda pensar de muitos modos, em diversos planos discursivos-daquele em que o que está em questão é o seu conceito e a possibilidade de pensá-lo ao do comentário aos grandes temas emergentes, como a globalização e o avanço tecnológico, que parecem de algum modo colocá-la em risco. A coletânea O avesso da liberdade, organizada por Adauto Novaes, reunindo um conjunto de conferências proferidas sobre o tema, dispõe ao leitor toda essa diversidade, ao mesmo tempo em que oferece um certo recorte do panorama intelectual brasileiro. Há, assim, um primeiro grupo de artigos dedicados à questão que poderíamos chamar de "transcendental": a liberdade é pensável? Quais os impasses, as dificuldades conceituais, os paradoxos que é preciso vencer ou enfrentar para que faça sentido o emprego dessa noção? Tudo depende do quadro conceitual em que nos movemos. Como, por exemplo, pensar a liberdade nos quadros de uma doutrina materialista? Como pensar, sem fazer recurso a outra realidade senão a da matéria, sem recorrer ao espírito ou a qualquer outra forma de dualismo, a ação, a voluntariedade e a liberdade que lhe são próprias, se a matéria é o elemento de uma ordem natural, cujas determinações ela sofre desde o exterior? Em um dos artigos que integram a coletânea, Francis Wolf mostra como o materialismo de Epicuro situa-se aquém desse dilema, ao mesmo tempo em que dele toma consciência pela primeira vez. Em contraste, o artigo de Moacyr Novaes, debruçando-se sobre a obra de Santo Agostinho, em especial o De Libero Arbitrio, ilumina um conceito alternativo de liberdade, formulado para dar conta de outros problemas, como o da origem do mal no interior da doutrina cristã. A liberdade agostiniana pensada como uma qualidade espiritual, atributo da alma racional, de uma vontade capaz de aderir por si mesma à ordem das coisas, como também de recusá-la, sem deixar-se determinar por ela-tal liberdade pouco tem a ver com a de Epicuro, da mesma forma como os impasses que enfrenta são também outros. Como se pode exercer a liberdade assim pensada, diante das mais diversas determinações de ordem histórica, cultural e afetiva, que sofremos e que nos constituem enquanto homens? Eis um problema com que esteve concernido Pascal, um dos grandes herdeiros de Agostinho no início da Idade Moderna, não para resolvê-lo, como indica o artigo de Franklin Leopoldo e Silva, mas para fazer da liberdade um paradoxo e dele extrair uma visão trágica da existência humana. Entre os contemporâneos de Pascal não faltaram críticos à noção de livre-arbítrio, de matriz agostiniana. Renato Janine Ribeiro lembra-nos em seu artigo como Hobbes empenhou-se em mostrar, pela via da lógica e da ciência, os impasses dessa noção, declarando-na impensável e procurando esvaziar a partir daí o seu sentido político. Em Hobbes, de modo muito claro, a questão transcendental (o livre-arbítrio é pensável?) entrecruzase com a questão política (faz sentido o anseio por liberdade, entendida como participação nas decisões da res publica?)-o que nos lembra de que não são jamais neutras as posições diante dos impasses transcendentais da liberdade. É nesse contexto que se situou o esforço teórico de Espinosa para trazer à luz, como apresenta Paulo Vieira Neto, um conceito não agostiniano de liberdade, compatível com nossa inscrição no mundo e com as determinações que dele sofremos. Espinosa tinha tão claro quanto Hobbes as conseqüências políticas subjacentes aos problemas conceituais da liberdade. A questão de saber como conciliar a liberdade do homem com as suas determinações mundanas é ainda um problema para nós, como ilustra o ensaio de Gerd Bonheim, em que a antinomia entre a vivência da liberdade e a experiência dos condicionamentos de nossa conduta é apresentada como um "grande desafio" a ser vencido. É também o que mostra Renauld Barbaras, ao comentar o modo como Merleau-Ponty enfrentou esse mesmo problema e o impasse a que nos conduz. Ainda que possamos elaborar convincentemente, como faz Merleau-Ponty, o conceito de uma liberdade inscrita no mundo e nele situada, como conciliar essa "concepção existen
Hegel e Marx: o avesso do direito
2007
E proposta basica deste texto fazer uma breve reflexao teorica sobre a obra Contribuicao a critica da filosofia do direito de Hegel , de Marx, em que o autor se contrapoe a alguns pressupostos filosoficos esbocados por Hegel. Para compreender melhor o debate travado entre Marx e Hegel, buscou-se destacar as bases materiais e teoricas em que foram produzidas as analises sobre o direito. Esta recuperacao ocorre na tentativa de explicitar a dinâmica do raciocinio intelectual de Marx. Nesta mesma perspectiva, busca-se tambem destacar as novas configuracoes criticas que se efetivam na obra de Marx, em que o proletariado e visto como agente da liberdade humana.
Hobbes às avessas: o direito natural e a crise da democracia liberal
resumo Nas décadas de 1920 e 1930, Carl Schmitt e Leo Strauss estabeleceram leituras distintas, e em parte complementares, do legado filosófico-político de Thomas Hobbes, especialmente da fundação moderna do direito natural e da conseqüente decadência do Estado em virtude dos fenômenos da neutralização e despolitização. Nosso objetivo, na retomada de suas críticas ao liberalismo, é delimitar uma possível gênese do pensamento conservador a partir do legado intelectual desses autores. palavras-chave Hobbes; Leo Strauss; Carl Schmitt; direito natural; democracia liberal *** De modo preciso, o quadro histórico proposto por Strauss é bastante elucidativo: na Europa seiscentista, ainda não liberal, Hobbes funda o liberalismo, graças principalmente à sua defesa da inalienabilidade do "direito natural", tributada a indivíduos que compõem e, desse modo, determinam os limites do Estado moderno (STRAUSS, 1995, p. 102). Por outro lado, pondera Strauss, na "sistemática surpreendentemente coerente do liberalismo", Schmitt elabora uma crítica que, como etapa inicial, dissipa o horizonte liberal de caráter neutro, relativista e, sobretudo, débil ou apalermado, alavancando uma nova égide (contrária aos rumos progressistas da história da modernidade) gestada em retrospecto ao que lhe parece ser o grande achado de Hobbes, que teria afirmado a necessidade da soberania na unidade política. Nessa mesma interpretação schmittiana de Hobbesque, vale dizer, é a leitura desvendada por Strauss -o vínculo entre proteção e obediência teria outrora preservado a "ordem das coisas humanas", num sentido que para Strauss é o mais profundo possível: Schmitt afirma o "Estado total", em que os membros da unidade estariam dispostos de fato (e não apenas sob os ditames de enunciados teóricos) ao sacrifício de suas vidas em nome da totalidade política.
Habermas, pragmatismo e direito
Kriterion: Revista de Filosofia, 2009
Jürgen Habermas conta-nos que fora influenciado pelo pragmatismo em três domínios de seu desenvolvimento intelectual: na epistemologia, na teoria social e na teoria política. Neste ensaio, gostaria de acrescentar mais um domínio do desenvolvimento intelectual de Habermas no qual igualmente se poderia supor a influência do pragmatismo: a filosofia do direito. A exposição será desenvolvida em duas partes. Na primeira, focalizarei especificamente as contribuições epistemológicas de Charles S. Peirce, pois é neste autor que Habermas foi buscar a base de sua teoria da racionalidade comunicativa. Na segunda, tecerei algumas considerações sobre as influências de Peirce na teoria discursivo-procedimental do direito de Habermas e apresentarei a proposta de Karl-Otto Apel como contraponto heurístico. O tema a ser explorado é a possibilidade de se enquadrar a filosofia do direito de Habermas na tradição do pragmatismo que descende de Peirce. Certamente, a defesa de uma perspectiva filosófica realista no plano da validade normativa coloca o quadro teórico de ambos em linha de continuidade e, ao mesmo tempo, em contraposição às propostas pragmatistas recentes na epistemologia e no direito.
O liberalismo econômico e as práticas de segurança: o “avesso” das democracias liberais
2017
Este artigo tem por objetivo analisar alguns dos paradoxos relacionados ao liberalismo economico e os discursos de seguranca a ele subjacentes que, embora neguem os principios basilares das democracias modernas, passam a fazer parte delas. Neste exame o principal eixo teorico sera o pensamento de Foucault. Primeiramente sera apontado que o liberalismo economico, na analise foucaultiana, tem como premissa uma essencia antropologica de ser humano, pois assume como ponto de partida que a liberdade so floresce na ausencia de constrangimentos. Na medida em que esta premissa metafisica se impoe as instituicoes das democracias modernas, alguns desdobramentos se colocam. Surge a nocao de que o papel das instituicoes democraticas e o de proporcionar liberdade. Entretanto, so pode haver liberdade se houver seguranca. Assim, impoe-se um paradoxo: as democracias tem como telos a liberdade, mas a liberdade pressupoe medidas de seguranca (na guerra ao terror, por exemplo) que negam tanto os prece...
Das leis ao avesso - desigualdade social, direito de família e intervenção judicial
Esta tese analisa a questão da legitimidade das relações de família que se deslocou do direito positivo para a esfera judicial. Por conseguinte, sob o ângulo da justiça, esse deslocamento possibilitou contemplar alguns dos aspectos da fissura social brasileira que separa os ricos dos pobres, na medida em que a lei passou a reconhecer novas formas de família além daquela constituída pelo casamento civil. Atualmente, a questão social do direito de família revela-se num contexto de reforma do Poder Judiciário, no qual se procura buscar soluções para que as barreiras sociais, econômicas e culturais que impedem o acesso ao direito e à justiça sejam superadas. Logo, neste estudo, impõe-se a questão geral de compreender como públicos distintos percebem seus direitos, procuram exercer sua cidadania e como suas demandas são apresentadas ao Estado. As análises desenvolvidas nesta tese seguem a teoria weberiana do direito e têm por objetivo estudar as diferentes sistematizações legais e as diferentes representações de uma ordem legítima a fim de se verificar como o conjunto de normas de direito se repercute nas condutas sociais. Nesse sentido, examina-se o processo histórico de codificação civil e as transformações do direito de família brasileiro, cujos reflexos são observados a partir da organização da justiça no município de São Paulo (2000-2005). Conclui-se que as demanda de família apresentadas à justiça, na forma de processos judiciais, dependem do perfil socioeconômico dos litigantes: quanto mais baixo o nível socioeconômico, menores são as chances de ingresso nos tribunais. Nesse cenário, as informações a respeito das formas de conjugalidade e do estado civil, bem como os dados referentes aos processos de separação, divórcio, guarda de menores e alimentos, são indicadores da desigualdade de acesso ao direito e à justiça no Brasil. This thesis analyses the question of legitimacy in family relationships and its relation to judicial proceedings. This question reveals the Brazilian social inequality that became evident when the family law recognized new manners of family constitution other than that based on civil marriage. At present, the question of family law displays in a judiciary transformation context in that new solutions are necessary to overcome the social, economical and cultural barriers that block the access to justice. Therefore, the main purpose of this study is to understand how people of different social origins realize their rights, exercise their citizenships and have their expectancies treated by the State. This analysis follows the Weberian theory of law whose objective is to study the different law systematizations and the different representations of the legitimacy in a certain order to verify how the law affects the social order. In this regard, the thesis considers the history of the civil codification and the transformation of the family law, whose consequences have been examined through the justice organization at São Paulo city (2000-2005). In conclusion, the study reveals that the nature of the family claims depends on the claimers socioeconomic status: the less the socioeconomic status, the less are the opportunities to reach the courts. In this context, the information about conjugality and civil status, as well as the information about decisions on divorce, legal separation, custody and alimonies, are indicators about the inequality of access to justice in Brazil.
Narcisimo às avessas e a nossa filosofia brasileira
O artigo argumenta que o paradigma filosófico brasileiro atual é de origem uspiana. Tal paradigma se basearia no método estruturalista de leitura e interpretação de texto em detrimento da atividade crítica e criativa. Tal modo de fazer filosofia partiu do pressuposto de que no Brasil não existiria cultura filosófica e que por isso seria preciso primeiro acumular alguma experiência para apenas depois nos aventurarmos filosoficamente. Porém, devido nosso narcisismo às avessas tendemos a nos considerar incapazes de criar filosofia, nos limitando a ler, interpretar e comentar os tidos como verdadeiros filósofos, que seriam os europeus e norte-americanos. O objetivo geral deste escrito é problematizar a nossa maneira de fazer filosofia baseada na exegese textual e no comentário de matriz uspiana.
Revista da Faculdade de Direito, 2018
RESUMODe uma parte temos o livro, depósito do saber, fruto da instrução e ainda de excelente conteúdo, porém a um passo do esquecimento; de outra parte, a palavra, forma imprescindível da substância posta por escrito, injeção de poder no saber livresco e, com isso, única garantia de longa vida. De modo que a palavra é poder e goza de duração; o escrito, coisificado inclusive como livro, sem a palavra se mostra volátil e impotente.PALAVRAS-CHAVEVerbo do Direito Liberal. Livro. Palavra. Orador.RESUMENPor una parte tenemos el libro, depósito de saber, fruto de la instrucción y aun de contenido excelente, mas con todo a un paso del olvido; por otra parte, la palabra, forma imprescindible de la sustancia puesta por escrito, inyección de poder en el saber libresco y con ello única garantía de larga vida. De manera que la palabra es poder y goza de duración; el escrito, cosificado incluso como libro, sin la palabra se demuestra volátil e impotente. PALABRAS CLAVELiberal Law verb. Book. Wo...
Projeto História : Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História
Os anos 1940 foram marcados por uma intensa atividade tanto no cenário internacional quanto no âmbito interno. Internacionalmente, as consequências do fim da Segunda Guerra Mundial, o início da Guerra Fria e as políticas internacionais adotadas pelos Estados Unidos influenciaram significativamente os acontecimentos globais. Domesticamente, tivemos o fim do Estado Novo e os intensos debates em torno de projetos de país. Nesta tecitura, os ideários políticos foram colocados em movimento, com longos debates sobre autoritarismo, liberalismo e democracia. O objetivo deste artigo é reconstruir parte desses debates, destacando as disputas em torno do tema da liberdade e, consequentemente, do liberalismo e do nascente neoliberalismo. Utilizaremos como ferramenta de análise os debates ocorridos nas três primeiras edições dos Congressos Brasileiros de Escritores (1945, 1947 e 1950), assim como a repercussão desses debates na imprensa. Através das categorias de "espaço de experiência"...