O artigo 142 da Constituição, as Forças Armadas e o ‘poder moderador’ (original) (raw)

2021, Estadão (blog O Estado da Arte)

Deixando de lado a adulação de Bolsonaro aos novos generais, o palavrório dos oficiais de pijama e o golpismo desse parlamentar, a ideia de que o artigo 142 permite às Forças Armadas agirem como poder moderador de conflitos entre os poderes não procede, juridicamente. Segundo esse artigo, “as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Apesar de não ser um texto preciso, como tantos outros produzidos pela Constituinte, o artigo 142 não diz, em momento algum, que as Forças Armadas têm a prerrogativa de um juízo singular que lhes permita avaliar eventuais tensões e conflitos entre os três Poderes e de intervir por conta própria, sob a justificativa de garantir a Constituição e preservar a lei e a ordem. Também não afirma que as Forças Armadas são a garantia da Constituição — esta, pelo artigo 102, deixa claro que o guardião da Carta é o STF. Na verdade, o poder de chefia das Forças Armadas é limitado juridicamente e não há qualquer margem para interpretações que permitam sua utilização para conter “indevidas intromissões” no funcionamento dos outros Poderes, como afirmou o presidente da República em 2020. Ao contrário do que tenta induzir, o artigo 142 é o que define as funções das Forças Armadas — não são elas que definem o papel da Constituição. Por mais que esse artigo 142 estabeleça que o papel institucional dos militares é defender a Pátria, garantir os poderes constitucionais e assegurar a lei e a ordem, ele não acolhe a ideia de um poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.