Entrevista com Ulpiano Nascimento (original) (raw)
1990, Vertice Iia Serie No25 Pp 85 93
Entrevista com Ulpiano Nascimento Após a entrevista com Armando Castro publicada no nº 4 da Vértice reproduz-se aqui uma outra entrevista com um outro intelectual da mesma geração, com um semelhante posicionamento político, com uma igual área de interesse científico-a economia-mas oriundo de diverso meio universitário e seguindo um outro perfil profissional. Na sequência que vai de uma licenciatura no ISCEF a um lugar no aparelho administrativo/económico do Estado, ao engajamento na luta sindical e política antifascista, ao exílio e ao regresso a Portugal no pós-25 de Abril, desenha-se a vida de Ulpiano Nascimento, mas também a de uma geração de intelectuais/economistas portugueses dos anos do pós-guera, facto que confere ao percurso aqui desenhado uma certa representatividade e tipicidade relativamente ao que foi a vivência concreta de um reduzido, mas importante, grupo social/profissional. P-O que o levou a interessar-se pela economia e a tornar-se economista profissional? R-Foram os fados que me levaram à economia. Factores de ordem circunstancial, em que o exíguo orçamento familiar foi determinante, obrigando-me a frequentar escolas comerciais (Veiga Beirão e Rodrigues Sampaio) e, depois, na sequência lógica, em 1933, o Instituto Comercial de Lisboa. Aí me apercebi pela primeira vez e tomei consciência do fenómeno político. Entretanto, as necessidades forçaram-me a trabalhar, o que implicava ter de estudar à noite. Estimulado pelas relações, a necessidade de melhorar as condições de vida e uma certa ambição, arrisquei preparar-me para submeter-me ao exame de admissão ao Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras. E fiquei. Isto ocorreu, se estou certo, em 1937. Aí, continuei atraído por aqueles que comigo comungavam ideias progressistas. Por amizade, simpatia e afinidades com alguns colegas encontrei-me envolvido, ainda que de forma imprecisa, na corrente de ideias contrárias à política oficial-aqui, «contrárias» é ser comunista-, e P-O que era, nessa época, a formação académica de um economista? R-No Instituto, o curso de Economia era francamente modesto; não tanto pelos programas adoptados, mas mais pelos professores, dos quais um ou outro se distinguia pelo saber e dignidade, como Bento de Jesus Caraça, Mira Fernandes, Vitorino Magalhães, Dias Ferreira e poucos mais. Esta mediocridade acontecia por duas razões: a primeira, porque, com o tempo, o pessoal docente do Instituto, assim como das outras Faculdades, vinha a identificar-se ou era constrangido a coexistir com a ordem corporativa vigente; a segunda, causa e efeito da primeira, porque a sociedade portuguesa, nesse tempo de ditadura, estava fechada sobre si mesma, não havia mobilidade de ideias, era proibido pensar. O ensino de economia, refiro-me apenas ao curso de Economia, era por isso mais histórico do que real. Divagava-se em termos convencionais e de preferência sobre os economistas clássicos: Say, Adam Smith, Malthus e poucos mais; dos neoclássicos, uns pozinhos apenas, onde Marx e Schumpeter eram colocados à distância e reduzidos na história da economia; dos humanistas, estruturalistas, terceiro-mundistas e dos modernos em geral, não se dava notícia deles nas aulas, duvido mesmo que os professores os conhecessem. Cá fora, no entanto, lia-se Marx, Schumpeter, Perroux, Keynes, Bettelheim, Kuznets, Samuelson, Prebisch, Myrdal, Sweezy, Baran, Galbraith, etc, etc, tudo o que vinha à mão. A «sebenta» dominava o material didáctico universitário; era ainda uma instituição, resultado dos condicionalismos redutores referidos antes, reflectindo atraso relativo na Europa de então. Eram instituições e mentalidades conservadoras e fascistas que preponderavam nesse tempo na nossa sociedade, em termos políticos, económicos, sociais e culturais. Nestas condições, a formação do economista não podia ser indiferente à acção castradora que a Organização Corporativa, o Equilíbrio Orçamental, o Estatuto do Trabalho Nacional, o Condicionamento Industrial, a União Nacional e, sobretudo, como um punhal apontado ao coração do cidadão, a Censura Prévia e a PIDE. Salazar, durante perto de 40 anos, foi senhor todo poderoso, que tinha nas mãos o destino do País e, portanto, o grande responsável por tudo o que aconteceu nesse odioso período, responsável pela estagnação económica, a qual se projectou implacavelmente até aos nossos dias, nas injustiças, na incultura, nas assimetrias regionais, nos níveis de vida de subsistências, em que os trabalhadores para fugir à pobreza e ao medo acabavam por emigrar em massa. A média e a pequena burguesia, envergonhadas, sofriam em silêncio a falta de perspectivas. A mão-de-obra barata e a legião de desempregados, por outro lado, contribuíram para impedir a modernização da economia, porque dispensavam a introdução de novas tecnologias na agricultura e indústria que, por essa razão, não se equiparam oportuna e adequadamente as empresas, nem se melhoraram as infra-estruturas. Estas irresponsabilidades aconteciam na época em que lá fora a tecnologia e a inovação prosperavam surpreendentemente, distanciando cada vez mais o avanço