Gênero e Etnografia: reflexões desde algumas prisões brasileiras (original) (raw)
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Etnografias da prisão: novas direções
Configurações, 2014
O que se segue é uma tentativa de traçar o panorama atual da investigação de terreno em torno da prisão e da reclusão penal. São identificadas as principais linhas de evolução contemporânea e caracterizados alguns desenvolvimentos em relação aos debates teórico-metodológicos que dominaram as abordagens clássicas do mundo prisional 1. Em linha com outras contribuições (e.g., Wacquant 2002), procura-se não confinar este panorama a terrenos anglo-americanos. Quanto aos EUA, é antes de mais uma questão de necessidade, dado o declínio que aí conheceram os estudos no terreno-embora com sinais recentes de retoma-, em contraste com a situação na Europa e na América Latina, onde a vitalidade da tradição destes estudos se manteve. Em segundo lugar, e sobretudo, trata-se de uma opção deliberada para evitar os riscos de um paroquialismo invertido mas não menos equivocado: aquele que toma por universal a produção de centros hegemónicos, esquecendo que também ela reflete particularidades dos contextos societais de onde emana e ignora toda a investigação fora deles por muito relevante e inovadora que seja, agravando assim os efeitos de distorção induzidos pelos desequilíbrios na geopolítica da ciência e na economia simbólica global (Bourdieu e Wacquant, 2002; Ribeiro e Escobar, 2006). Por fim, pretende-se assegurar a diversidade da paisagem comparativa, contemplando a própria diversidade de sistemas prisionais e contextos culturais (e.g.
Cadernos Pagu, 2019
Este artigo propõe um diálogo entre duas pesquisadoras que investigam temas afins: as experiências de travestis e transexuais em privação de liberdade. Partindo das formulações de Donna Haraway (1995), pretendemos debater sobre a particularidade e a corporificação de toda visão etnográfica através de um eixo de diferenciação central para nossas vivências em campo: a identidade de gênero. Céu Cavalcanti discute sobre os encontros etnográficos e o desenvolvimento de sua pesquisa enquanto uma pessoa trans; Vanessa Sander faz o mesmo debatendo os caminhos de sua investigação como pessoa cisgênera. Os diálogos e as ressonâncias entre as duas vozes que aqui se encontram possibilitam um afluente de conexões, em que as tramas interseccionais que circundam nossa visão são objeto inicial de análise. Nas dinâmicas teórico-metodológicas temos um ponto de encontro das nossas perspectivas que nos convidam a conversar sobre o elemento central deste texto: as identificações de cisgeneridade e transgeneridade nos próprios marcadores das pesquisadoras que se propõem a produzir conhecimento junto à pluralidade das vivências trans.
Bases Teóricas Para a Etnografia Em Prisões
Revista Prelúdios
Este artigo consiste em uma exposição de abordagens teóricas das Ciências Sociais que podem servir como guia para nortear a incursão etnográfica em prisões, principalmente em estudos que privilegiam a observação das interações sociais entre os habitantes dessas instituições. As discussões aqui apresentadas se dão em torno dos conceitos clássicos da antropologia, do interacionismo simbólico de Erving Goffman e da análise do discurso de Michel Pêcheux, e têm como objetivo apresentar caminhos possíveis para estudiosos que buscam compreender o mundo pelos olhos de quem está por trás das grades. Ao final, são apresentadas questões éticas que permeiam as várias etapas da etnografia na prisão, com a apresentação de situações reais ocorridas em campo.
Revista Quaestio Iuris, 2020
Resumo O presente trabalho se constitui como uma revisão bibliográfica que objetiva refletir a necessária articulação dos estudos feministas, raciais e decoloniais para a constante (re)construção de uma epistemologia criminológica que busca a compreensão da realidade social brasileira. O pensamento criminológico dominante, bem como a maioria dos outros campos do saber, se demonstra como uma ciência orientada por noções masculinas, de branquidade e eurocêntricas. Dessa forma, buscamos suscitar: i) a assimilação dos discursos positivistas e racistas na criminologia brasileira; ii) as contribuições e impactos das teorias feministas, raciais e decoloniais nas estruturações metodológicas e epistemológicas nesse campo; e iii) aludir as necessárias imbricações das categorias raça, gênero, classe e localização geopolítica interconectadas com a modernidade e a colonialidade. As reflexões expostas neste trabalho permitiram constatar como tais teorias auxiliam a reexaminar premissas e conceitos, bem como a partir da empiria revisitar as teorias até então produzidas, ampliando as percepções da questão criminal. Palavras-chaves: epistemologias, criminologia crítica, criminologias feministas, racismo, decolonialidade. Considerações Iniciais Investigações científicas advém de inquietações que lhes antecedem. O presente trabalho nasce de uma delas: a verificação do quanto o saber criminológico ainda é tão engendrado em concepções androcêntricas, racistas e colonialistas.
Gênero e Etnia: uma escre(vivência) de dupla face. 1
Escre(vi)(vendo)me: ligeiras linhas de uma auto-apresentação 2 Do tempo/espaço aprendi desde criança a colher palavras. A nossa casa vazia de móveis, de coisas e muitas vezes de alimento e agasalhos, era habitada por palavras.
Etnografia, ou a teoria vivida
Ponto Urbe Revista Do Nucleo De Antropologia Urbana Da Usp, 2008
Este texto foi preparado para a conferência inaugural do seminário "VI Graduação em Campo", do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo, em 20 de agosto de 2007. Agradeço a José Guilherme Magnani a honra do convite, que me permitiu participar do entusiasmo, da diversidade de temas e da qualidade da pesquisa de campo de alunos de graduação de várias instituições do país, assim como da organização impecável do evento pelos alunos do NAU/USP. 1 Inicio com uma constatação elementar-a de que conceitos acadêmicos, assim como outras idéias da nossa experiência, mudam no tempo e no espaço, isto é, são históricos e são contextuais. Nenhum conceito tem um significado perene e, especialmente, nas ciências sociais, a vida dos conceitos reflete o que Max Weber definiu como sua "eterna juventude". Para Weber, essa era uma característica positiva das ciências sociais e refletia um otimismo raro nele-o de que, por definição, essas ciências seriam sempre jovens, sempre em processo de elaboração e sofisticação, sempre renovadas. A etnografia, antes 2 Dessa perspectiva da "eterna juventude", não é surpresa verificar que a idéia do que seja etnografia tenha uma história longa e freqüentemente espiralada, ou pendularmodificamos nossa concepção de etnografia, muitas vezes para voltar, revigorados, a um ponto familiar. Como em outros momentos na antropologia, devemos a Malinowski uma perspectiva que propunha e defendia a etnografia quando definiu a apresentação do kula como "interna", "etnográfica", isto é, em consonância com a prática e a perspectiva dos trobriandeses. Malinowski evitava uma descrição que chamou de "sociológica", resultado de uma observação "do lado de fora"-ele a considerava importante, sim, mas dizia que a utilizava apenas quando indispensável para dissipar Etnografia, ou a teoria vivida
Raça, identidade, identificação: Abordagem histórica conceitual
Resumo A raça, uma construção sócio-histórica, é um conceito fundamental para entender a história do Brasil e da humanidade. Constata-se sua transversalidade em relação a como se estruturam as relações entre grupos dentro de uma sociedade e entre diferentes sociedades, vis à vis as formas como as características físicas das pessoas são percebidas e classificadas. Assim, neste capítulo, a evolução do pensamento racial brasileiro é posta em relação com a problemática do encontro com o outro na sua alteridade, a construção de taxonomias a partir do século XVIII e a maneira como a ideologia racial determina a assimetria de relações entre as categorias de classificação, ao serviço dos processos de colonização e escravidão da época moderna. É apresentado um histórico da classificação étnico-racial no Brasil, através dos censos e pesquisas domiciliares, para finalizar com um estudo de conjuntura das tensões e conflitos contemporâneos associados a processos de discriminação e preconceito ainda arraigados nas sociedades.
Gênero, cultura e deslocamentos: uma pequena história e muitas inquietações
REVES - Revista Relações Sociais, 2021
A II Jornada de Gênero, Cultura e Deslocamentos realizada em abril de 2021, de forma online, teve como objetivos propiciar estudos e debates de forma propositivas, bem como proporcionar espaço de debates, estudos, reflexões críticas e propositivas sobre as relações de gênero em diferentes níveis de deslocamentos contemporâneos, especialmente no contexto atual da política fascista, que interdita o processo sócio-histórico da construção de uma sociedade democrática e plural em que haja pesquisadores(as), estudantes de graduação, pós-graduação, ativistas interessados(as) em enriquecer as discussões, suscitar outros olhares e novas possibilidades de se pensar as práticas de ensino, pesquisa e extensão, seja no campo da história e/ou da educação, a partir da abordagem de gênero, da cultura e dos deslocamentos humanos. Dessa forma, o volume da REVES – Revista de Relações Sociais ora apresentado assume o compromisso de ampliar leituras e romper barreiras impostas a essas dimensões relaci...