Podem os extremos se tocar? Sobre possíveis interpolações entre a linguagem e a experiência religiosa [ANPTECRE, 2021] (original) (raw)
Esta apresentação é uma tentativa de reunir e refletir sobre dois temas que, na minha opinião, estão interrelacionados, embora não tenham a intenção de estar em primeira instância a "experiência histórica sublime", tal como esposada pelo filósofo da história holandês Frank Ankersmit, e a experiência religiosa. A experiência histórica é um dos temas mais importantes da obra de Ankersmite foi um dos tópicos de minha pesquisa de doutorado em história. A experiência histórica no sentido ankersmiteano é um tipo raro e complexo de experiência, totalmente diferente das experiências que temos em nosso cotidiano, mais como vivências, ou da experiência no sentido empirista; pois pressupõe a possibilidade de o historiador estar em contato direto com um passado que já se foi há muito tempo. Por outro lado, há a experiência religiosa, que é um tipo muito mais comum, pelo menos porque ouvimos mais frequentemente sobre experiências dessa natureza. Estou pensando aqui no tipo de experiência que, como a experiência histórica, tem a ver com coisas sublimes e extraordinárias, como milagres ou epifanias, que podem acontecer na vida daqueles seres humanos que estão em busca de uma vida espiritual, e se veem, repentinamente, assombrados pelo Sagrado. Esse "assombro" é algo que místicos de diferentes eras, como João da Cruz e Teresa de Ávila, garantem ter experimentado. Contudo, mesmo os místicosque estão mais próximos da tradição apofática que da catafáticatentaram encontrar palavras para expressar sua experiência ou o caminho de sua relação com o divino de modo didático a seu público. Pode, porém, uma experiência sublime ser expressa em linguagem? Inversamente falando, há uma experiência que já não seja, em si mesma, linguisticamente constituída? Enquanto proponentes da virada-linguística no século XX disseram que não há experiência fora da linguagem-que, por sua vez, "percorre todo o caminho" (goes all the way down), como diria Richard Rorty-, Ankersmit defende que "a experiência está onde a linguagem não está". Para ele, ter uma experiência histórica significa ir além da "prisão da linguagem" (nas famosas palavras de Nietzsche). Então, a perspectiva ankersmiteana sobre a experiência está claramente em desacordo com a chamada virada linguísticaembora ela mesma não consiga escapar dos confins da linguagem, como argumentarei. Mas seria o mesmo com a experiência em um sentido religioso ou espiritual? O que os interessados em entender as possibilidades e os limites da experiência religiosa podem aprender com a experiência histórica sublime? Esta última pode ser considerada a questão principal desta apresentação.