Albert Camus, crítico (original) (raw)
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Notas sobre os Cadernos de Albert Camus
é um escritor franco-argelino mais conhecido por suas duas narrativas O Estrangeiro (1942) e A Peste (1947) e também por seus escritos filosóficos como O mito de Sísifo (1942) e O Homem Revoltado (1951), todos amplamente comentados pela crítica. O objetivo deste artigo é empreender alguns apontamentos sobre o que consideramos ser a face da obra camusiana menos explorada, os Cadernos (1962, 1964 e 1989) onde Camus lançou anotações ao longo de toda a sua carreira literária. Em primeiro lugar, refletiremos sobre os Cadernos como um suporte para o processo de criação e, em seguida, sobre os Cadernos considerados como obra em si mesmos.
Albert Camus entre guerras: de Combat a O primeiro homem
Organon, 2017
Resumo: Este texto aborda textos de Camus no jornal Combat, privilegiando alguns aspectos e articulando-os ao seu último romance, O primeiro homem, no qual revisita suas origens familiares na Argélia. O jornal Combat, clandestino durante a guerra, apareceu publicamente quando Paris foi libertada, em agosto de 1944. Já O primeiro homem é um romance inacabado que só viria a ser publicado em 1994, quando a imagem do autor, muito desgastada durante a guerra da Argélia, começava a mudar na cena política e cultural francesa. Trata-se de um romance autobiográfico, que tenta reconstituir a vida de seu alter ego assim como a dos seus pais e, de modo geral, a colonização francesa da Argélia.
4 esperei ainda um pouco. Durante este tempo, o porteiro não parou de falar. Depois, o diretor recebeu-me no seu gabinete. Um velhote, que tem a Legião de honra. Fitou-me com uns olhos muito claros. Depois apertou-me a mão durante tanto tempo, que já não sabia como havia de a tirar. Consultou um processo e disse-me: "A senhora sua mãe entrou para aqui há três anos". "O senhor era o seu único amparo". Julguei que me estava a fazer alguma censura e comecei a explicarlhe, mas ele interrompeu-me: "Não tem nada que se justificar, meu filho". Estive lendo o processo da sua mãe. O senhor não lhe podia suportar as despesas. Ela precisava de uma enfermeira. O seu ordenado é modesto. E, no fim das contas, aqui ela era feliz. Disse: "Sim Sr. Diretor". Acrescentou: "Sabe o senhor, aqui ela tinha amigos, pessoas da mesma idade". Partilhava com eles motivos de interesse que são de um outro tempo. "O Senhor é novo, e ao pé de si, ela aborrecia-se com certeza". Era verdade. Quando estava lá em casa a mãe passava o tempo a seguir-me em silêncio com os olhos. Nos primeiros dias do asilo, chorava muitas vezes: Mas era por causa do hábito. Ao fim de alguns meses, choraria se a tirassem do asilo, ainda devido ao hábito. Foi um pouco por isto que, no último ano quase não a fui visitar, E também porque a visita me tomava o domingo todo sem contar o esforço para ir para o autocarro comprar os bilhetes e fazer duas horas de viagem. O diretor disse-me ainda mais coisas. Mas já quase não o ouvia. Em seguida perguntou-me: "Julgo que agora, quer ir ver a sua mãe?". Levantei-me sem dizer nada e acompanhei-o até à porta. Nas escadas, explicou-me: "Levamo-la para a nossa morgue particular. Para não impressionar os outros. Cada vez que algum morre, os outros ficam nervosos durante dois ou três dias, o que torna o serviço difícil". Atravessamos um pátio onde havia muitos velhos, conversando em grupos, uns com os outros. Ao passarmos, calavam-se. 5 E atrás de nós as conversas recomeçavam. Dir-se-ia um papaguear atordoado de periquitos. À porta de uma pequena construção, o diretor deixou-me. "Deixo-o agora, senhor Meursault". Estou às ordens, no escritório. Em princípio, o enterro estava marcado para as dez horas da manhã. Pensamos que o Senhor podia assim passar a noite a velar. Uma última coisa: parece que a sua mãe exprimiu várias vezes aos amigos o desejo de ter um enterro religioso. -Tomei à minha conta este encargo. Mas queria pô-lo a par. Agradeci-lhe. Embora sem ser atéia, enquanto viva a mãe nunca pensara na religião: Entrei: Era uma sala muito clara, caiada, e coberta por uma vidraça. Mobiliavam-na algumas cadeiras e cavaletes em forma de X. Dois deles, ao meio da sala, suportavam um caixão coberto. Viam-se apenas parafusos brilhantes, mal enterrados, destacando-se da madeira pintada de casca de noz. Perto do caixão estava uma enfermeira árabe, de bata branca, com um lenço colorido na cabeça. Neste momento, o porteiro entrou por detrás de mim. Devia ter corrido: Gaguejou. "Fecharam-no, mas eu vou desparafusá-lo, para que o senhor a possa ver". Aproximava-se do caixão, quando eu o detive. Disse-me: "Não quer?" Respondi: "Não". Calou-se e eu estava embaraçado porque sentia que não devia ter dito isto. Ao fim de uns momentos, ele olhou-me e perguntou: "Por quê?", mas sem um ar de censura, como se pedisse uma informação. Eu disse: "Não sei". Então, retorcendo os bigodes brancos, declarou sem olhar para mim: "Compreendo". O homem tinha uns bonitos olhos azuis claros e uma pele um pouco avermelhada. Deu-me uma cadeira e sentou-se também, um pouco atrás de mim. A enfermeira levantouse e dirigiu-se para a porta. Neste momento, o porteiro disse-me: "O que ela tem, é um cancro". Não percebi o que ele dizia, até reparar que a enfermeira trazia por debaixo dos olhos uma ligadura que dava a volta à cabeça. No sítio do nariz, não se via nenhuma saliência. Apenas a brancura do penso, sobre a cara.
O pensamento jornalístico de Albert Camus: crepúsculo do liberalismo tardio europeu
In Revista Brasileira da História da Mídia v.12, n. 1, p. 28-44, 2023
Albert Camus se consagrou pelo mundo afora como escritor e ensaísta, mas foi também intelectual público e homem de imprensa. Nosso trabalho foca no segundo aspecto, sublinhando alguns termos do que seria seu pensamento jornalístico. Repórter de jornais em seu país natal, a Argélia, Camus foi, na França, figura maior do Combate, ao final da II Guerra. O presente ensaio considera a trajetória, para esclarecer as concepções jornalísticas subjacentes, desde o ponto de vista doutrinário e histórico. A tese é a de que, anacrônica e utópica à luz das tendências em curso na sua época, a perspectiva camusiana representou em seu país ao mesmo tempo auge e crepúsculo do liberalismo tardio europeu.
2018
Esse artigo tem como objetivo esclarecer uma dúvida recorrente do artigo sobre Deus e o Diabo na Terra do Sol, uma análise anti-dialética, no que diz respeito à Nietzsche. Tentarei aprofundar, com mais liberdade, o que Camus crítica no pensamento de Nietzsche e para entender melhor as razões dessas críticas.