Crônica de uma tradutora anunciada: Clarice e a tradução como dever (original) (raw)

A Revolta Voluntária Do Tradutor Ruivo: Verter “Tentação” De Clarice Lispector

2012

Em tempos de fervor clariceano na esteira de badalada biografia da mais peculiar das autoras brasileiras e de uma nova leva de traduções de sua obra em língua inglesa 1 , parece adequado refletir sobre a tarefa de vertê-la, vertendo-a. O conto "Tentação" oferece amplas oportunidades para esta reflexão, pois apresenta traços estilísticos e desafios à tradução bem típicos da autora, além de por em jogo temas constantes na obra de Lispector: "a busca da identidade, a solidão, o acaso" (DARIN, 2000, p. 73). Ele relata um encontro fortuito entre uma menina ruiva e um cachorro, um basset, igualmente ruivo. Bem ao gosto da autora, o texto todo se passa no mais absoluto silêncionenhum som, nenhum latido, nenhuma palavra. Os dois protagonistas não se cumprimentam, nem se abraçam; apenas se olham, comunicam-se por silencioso olhar num instante tão intenso que apaga tudo à sua volta e suspende o tempo: "Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes de Grajaú" (LISPECTOR, 1994). Em seguida, o cachorro rompe o elo tênue e segue seu caminho até dobrar a esquina e sumir, deixando a menina pasma. Como de costume nos contos de Clarice Lispector, o bicho mostra-se mais forte, mais seguro de si que os humanos, acometidos que são de embaraços, contradições e dúvidas. Mais que um relato, uma estória, trata-se de uma epifania na tradição do conto moderno estabelecida por James Joyce 2 , certamente reforçada em Clarice Lispector pela leitura de Katherine Mansfield e Rosamund Lehmann. Ambas eram caras à brasileira, ambas adeptas de narrativas epifânicas nas quais, como no caso de "Tentação", "o episódio mais banal é capaz de produzir a intuição mais profunda e dramática-o momento vital em que o tempo para e nossa existência cotidiana se despe das camadas confortáveis e convencionais para deixar a pessoa só na solidão da sua consciência e da sua personalidade" 3 (PONTIERO, 1972, p. 17). Como nos contos de Dubliners e Primeiras estórias, nada acontece, mas o não-acontecimento é revelador para a menina e, quem sabe, para o basset. Nesse momento de intensa interação, "motivos humanos se revelam com franqueza assustadora: nossa fome insaciável de possuir e de ser possuído" 4 (ibid., p. 20) expressa no conto pelo comentário: "Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro". E, logo adiante: "Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se, com urgência, com encabulamento, surpreendidos" (LISPECTOR, 1994). Leila 1 Refiro-me aqui à biografia de Clarice Lispector escrita por Bernard Moser (Why this world: a biography of Clarice Lispector. Oxford: Oxford Univeristy Press, 2009) e traduzida para o português (Clarice, uma biografia. Rio de Janeiro: Cosac Naify, 2011), que teve calorosa recepção nas duas línguas. O próprio Moser agora coordena um projeto de tradução e/ou re-tradução para inglês da obra de Clarice, inclusive os contos completos, por considerar que fora mal servida pelas traduções já publicadas até por tradutores do porte de Gregory Rabassa e Giovanni Pontieiro, opinião secundada pelo crítico e tradutor de Machado, John Gledson. Ver "Para inglês entender", Carta Capital, ano XVII, n. 671, 9 nov. 2011, p. 82-94. 2 Ver Stephen Hero e A portrait of the artist as a young man, de James Joyce.

A tarefa do tradutor no coração da nação

Gragoatá, 2019

Resenha de: BUTLER, J; SPIVAK, G. C. Quem canta o Estado-nação? Língua, política, pertencimento. Tradução de Vanderley J. Zacchi e Sandra Goulart Almeida. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2018.

A Água viva de Clarice: criações na tradução

Tradterm, 2017

O presente artigo busca, por meio de uma análise das duas traduções da obra Água viva (1973) publicadas em língua inglesa, identificar e caracterizar duas diferentes imagens de Clarice Lispector no sistema anglófono. A primeira, construída por volta das décadas de 1980 e 1990, possui um tom que é marcadamente feminista, enquanto que a segunda, mais recente, parece buscar a preservação da característica estrangeira do tom e da imagem de Clarice.

Clarice Lispector Traduzida e Tradutora: Estado Da Arte

Revista da Anpoll

O objetivo deste artigo é apresentar um panorama de estudos sobre a obra de Clarice Lispector traduzida no exterior, bem como sobre sua atuação como tradutora literária no contexto nacional, destacando as mais representativas abordagens em âmbito acadêmico nacional até o momento. Os resultados encontrados apontam para tendências associando Clarice Lispector e os Estudos da Tradução e indicam lacunas a serem supridas por possíveis pesquisas futuras. This work is licensed under a Creative Commons Attribution 3.0 License.

Mário Laranjeira: Trajetória de um tradutor

Cadernos de Tradução, 2018

de 1951, não renovou os votos, retirou-se da Congregação onde havia começado a fazer traduções para uso interno e começou a dar aulas de português, latim, francês e geografia. Após uma inspeção, sem diploma para dar aula, sua manutenção como professor foi condicionada à inscrição numa universidade. Foi assim que cursou a graduação e pós-graduação na USP, onde foi também assistente do professor Claude-Henri Frèches. Mário Laranjeira se efetivou num cargo na USP apenas em 1975, aos 46 anos de idade, de onde se aposentou em 1995.

[Trans]missão & cura[tivo] em tempos de COVID-19: Contribuição para uma História Imediata da Tradução no Brasil

2020

Resumo: O artigo em questão tem dois objetivos principais: trazer à baila um novo campo da História da Tradução - a História Imediata da Tradução - e registrar a História Imediata da Tradução no Brasil em tempos de pandemia da covid-19. Para tanto, inicialmente, apresenta-se uma breve revisão sobre o conceito e as características da História Imediata; em seguida, expõe-se brevemente a metodologia de coleta de fontes para o presente texto; por fim, registra-se parte da historiografia da História Imediata da Tradução no Brasil com o recorte temporal de março a agosto de 2020. O registro histórico se dá em quatro partes: os grupos coletivos de tradução na universidade e institutos de pesquisa; os agentes de tradução mais afetados; as questões de direitos linguísticos e acessibilidade; e os novos hábitos tradutórios de consumo e circulação de traduções. Espera-se, além de registrar a História Imediata da Tradução brasileira, motivar novos pesquisadores e novas investigações na área.

Atos de tradução, ou quando traduzir é fazer

DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada, 2016

RESUMO Este trabalho analisa o ato de tradução à luz da Teoria dos Atos de Fala, como proposta por John Langshaw Austin em How to do things with words, argumentando que o modo como Austin constrói sua teoria, de uma forma não linear, é adequado para uma teorização sobre a tradução. O trabalho também propõe que se considere o ato de tradução como uma entidade "êmica", ou seja, irredutivelmente cultural. Essa proposta se inspira, por sua vez, na afirmação de Kanavillil Rajagopalan em relação aos atos ilocucionários. Para esse autor, os atos ilocucionários são "unidades de análise indissoluvelmente culturais, compreensíveis tão-somente enquanto fatos institucionais, específicos de cada comunidade de fala" (1992a: 120).

A tradução e o tradutor no Brasil: lições de visibilidade

Domínios de Lingu@gem, 2017

Neste trabalho pontuam-se acontecimentos significativos para a tradução e o tradutor no percurso percorrido desde as importantes manifestações dos tradutores nos anos 1930 até a consolidação dos Estudos da Tradução como campo de pesquisa em 2003, com a criação do primeiro programa de pós-graduação em Estudos da Tradução no Brasil.

Palavra de Tradutor: Reflexões sobre tradução por tradutores brasileiros

2018

As the title suggests, this book brings together reflections on translation and its practice from the viewpoints of a variety of Brazilian translators. These are non-systematized reflections which were produced in different historical contexts spanning over two hundred years, from the end of the 18th century until the present day. They come from paratexts and metatexts written by translators, men and women, which offer approaches to diverse textual genres: from technical/ scientific writings to fiction, as well as children's literature, epic and lyrical poetry, and drama. The book, in bilingual format, is aimed at the Brazilian and international academic communities. It was conceived with the purpose of widening the reach of a body of texts that were originally found in books where their significance is sometimes not apparent. Following a diachronic structure, the opening text, the 1798 "Discurso do traductor" ("Discourse of the Translator"), was written by Manuel Jacinto Nogueira da Gama, and accompanies his translation of Lazare Carnot's Réflexions sur la métaphysique du calcul infinitésimal (Reflections on the Metaphysical Principles of the Infinitesimal Analysis). Next, there is Odorico Mendes' prologue to his translation of Homer's Iliad [1863?]. On to the 20th century, we present passages about translation from Monteiro Lobato's letters, published in 1944; a text by Clarice Lispector, "Traduzir procurando não trair" ("Translating Seeking not to Betray"), originally published in issue 177 of Joia magazine, in Rio de Janeiro, in May 1968; an excerpt from "Transluciferação mefistofáustica" ("Mephistofaustian Transluciferation") by Haroldo de