Mapeamento do encarceramento LGBTI+ no Brasil: projeto Passagens (original) (raw)
2019, Sexualidade e gênero na prisão: LGBTI+ e suas passagens pela justiça criminal
O projeto Passagens, que dá origem a esta obra, constituiu--se como uma iniciativa de criação e fortalecimento de uma rede de apoio a lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersexo (LGBTI+) privados de liberdade no Brasil. Sabíamos, quando iniciamos essa empreitada, que o país não possuía dados públicos fidedignos sobre essa população no contexto das prisões - nem sobre seus números, nem sobre suas experiências sociais - dificultando a elaboração de políticas públicas de tratamento penal que fossem na direção do combate e da prevenção à violência que essas pessoas potencialmente sofrem nas instituições carcerárias. Apesar das dificuldades encontradas, hoje podemos dizer que o Brasil possui seu primeiro mapa do encarceramento LGBTI+, ainda que a dimensão quantitativa desse mapa tenha sido prejudicada por variáveis já previstas: a dificuldade dos sujeitos se assumirem a partir de identidades sexuais e de gênero bem definidas; a dificuldade dos trabalhadores penitenciários reconhecerem e validarem essas nomeações e não misturá-las dentro de categorias êmicas homogeneizadoras como “gays” ou “homossexuais”; e a resistência em responder uma pesquisa instituída por uma organização não governamental com incidência local, sem apoio oficial do Governo Federal e sem recursos suficientes para que pudéssemos visitar pessoalmente cada uma das instituições penitenciárias contatadas. É, por tudo isso, muito mais um mapa falado que procura evidenciar as lacunas e as boas práticas envolvendo as políticas públicas penitenciárias que foram produzidas para essa população no período histórico investigado (2009-2019) do que propriamente um mapa com quantidades de sujeitos; o lado bom de uma investigação levada a cabo pela sociedade civil, entretanto, é a certeza de que nossos dados se tornarão públicos e de que fizemos o máximo que podíamos para denunciar todas as violações de direitos humanos que escutamos de nossas e nossos interlocutoras(es), não havendo de nossa parte qualquer interesse escuso nessas informações, como acreditamos que possa haver em pesquisas lideradas pelo atual governo em curso. Mesmo diante das dificuldades já mencionadas, realizamos o esforço de buscar e, depois, dialogar com cerca de 1.329 instituições espalhadas por todo o país, com representação em todos os estados das cinco regiões brasileiras. Apesar de termos obtido uma taxa de resposta ao nosso questionário virtual de somente 5% deste universo, os dados já contrastam muito com os “oficiais” publicados até 2018, visto que o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) anunciava haver no Brasil 1.730 pessoas LGBTI+ privadas de liberdade (Brasil, 2018). Nossos achados nos levaram tomar conhecimento de que há pelo menos 572 pessoas LGBTI+ presas entre as 80 casas prisionais participantes (67 respondentes por e-mail e 13 instituições visitadas), e que somente em São Paulo esse número poderia chegar a 5 mil de acordo com estimativas da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo90. As casas prisionais que responderam à investigação on-line estão localizadas no Rio Grande do Sul (28), Minas Gerais (17), SantaCatarina (9), Rio de Janeiro (7), Espírito Santo (3), São Paulo (1) e Pará (2), mas houve, entre as respondentes, algumas instituições com destaque em relação ao número de LGBTIs presos: o Presídio Evaristo de Moares (95) e o Presídio Nilza da Silva Santos (65), ambos no Rio de Janeiro; e o Presídio Regional de Itajaí (26) em Santa Catarina. Já em relação aos números de LGBTI+ que encontramos nas instituições penitenciárias visitadas, temos: i) 14 na Penitenciária Estadual de Charqueadas, oito na Cadeia Pública de Porto Alegre, um homem trans na Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba e cinco no Presídio Estadual Feminino Madre Pelletier (RS)91; ii) 50 na Penitenciária Professor Jason Soares Albergaria e 70 no Presídio de Vespasiano (MG); iii) nenhuma autodeclaração na Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto May, 20 no Centro de Ressocialização de Cuiabá e 15 na Penitenciária Major PM Eldo Sá Correa (MT); iv) 40 no Centro de Detenção Provisória II de Pinheiros (SP); v) 25 no Instituto Penal Feminino Desembargador Auri Moura Costa, 13 no Centro de Execução Penal e Integração Social e 17 na Unidade Prisional Irmã Imelda Lima Pontes (CE). As visitas foram programadas para atender casas prisionais que possuem alas ou galerias para LGBTI+ privados de liberdade (somente o CDP II de Pinheiros, em São Paulo, entrou por outro critério, o da conveniência, já que aproveitamos outra agenda na cidade para realização da visita) e estavam previstas viagens também para o Pará, Paraíba e Pernambuco - o que não foi possível concretizar no período do projeto. Mas as visitas, diferente do questionário enviado por e-mail, não possuíam apenas um objetivo de análise quantitativa, como também previu intervenções qualitativas que acenaram para o fortalecimento das pessoas LGBTI+ presas e para a capacitação dos trabalhadores e gestores penitenciários, o que consideramos o ponto alto do nosso projeto e o que consubstanciou nos resultados qualitativos do nosso mapa do encarceramento LGBTI+: as experiências sociais com a prisão.