No entremeio do trágico: Perlongher e os “Cadáveres” da Nação (original) (raw)

2007, Estudos De Literatura Brasileira Contemporânea

Língua, Deus e Nação: sobre o pequeno Moisés Falar de Néstor Perlongher não é, com certeza, falar de um fundador (e, menos ainda, do fundador de um povo), mas é, certamente, falar da subversão da origem que, paradoxalmente, encontrar-se-ia (abjetamente oculta) na fundação de toda origem. Como se a poesia de Perlongher desvelasse o "vergonhoso" instante prévio a toda filiação, a leitura desta proposta estética talvez exija que nos lembremos da (controvertida) cena original de um dos mais famosos expatriados (e fundadores de povos): Moisés. De fato, Flávio Josefo nos conta uma peculiar história da infância deste personagem. Em Antiguidades Judaicas (II, 9, 7) nos diz que, certo dia, o pequeno Moisés, com apenas três anos, recebe do faraó, na distensão da mesa familiar, a sua coroa. Moisés, perante esse gesto simpático do faraó que se encontra carregado, no entanto, de toda uma simbologia da filiação, terá uma atitude reveladora. Para consternação do faraó, e angústia (ou aborrecimento) de sua mãe adotiva, Moisés tira a coroa de sua cabeça, joga-a no chão e pisoteia. A anedota, imortalizada, entre outros, pelos pintores Giovanni Battista Ruggieri (Moisés, resguardado pelos braços de sua mãe adotiva, olha atemorizado para o faraó que o acusa com o Le savon a beaucoup à dire. Qu'il le dise avec volubilité, enthousiasme. Quand il a fini de le dire, il n'existe plus Listar del broderie el entusiasmo, intuito del fiestero, al gozador las lenguas se le hacen medias (o inmedias) como estambres 1 As pinturas às quais estamos nos referindo têm por título Moisés e a coroa do faraó e datam de 1633 e 1640 (Ruggieri e De Ferrari, respectivamente). Ver De Capoa, L'ancien Testament:Repères iconographiques, pp. 159-60 2 Freud, Moisés y la religión monoteísta, p. 3258.