A necessidade do impossível: o paradoxo da historiografia literária no Brasil nas primeiras décadas após a independência (original) (raw)

A nacionalidade como problema historiográfico: primeiros momentos da história literária brasileira

MOARA – Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Letras ISSN: 0104-0944, 2018

RESUMO: Pensando a História enquanto prática social, reflito sobre como a busca por assertividade identitária no pós-independência pode revelar os projetos intelectuais/ideológicos que orientaram a formação do Estado Nacional brasileiro. A elite intelectual do século XIX iniciou um projeto em busca da cultura brasileira "original" (tanto de "origens" quanto de "originalidade"), mas a ausência da participação de grupos minoritários aponta para o caráter excludente do projeto que estava em curso. Foi se estabelecendo um paradigma da nação através das camadas privilegiadas e confundidas com as próprias instituições. Também, é através desse perfil bastante específico do sujeito enunciador que se constrói o perfil de um sujeito da nação (o cidadão). Através, então, da leitura de textos fundadores da história literária brasileira sob a ótica de reflexões recentes sobre memória nacional (ACHUGAR), cultura brasileira (FINAZZI-AGRÒ e ORTIZ) e representatividade cultural (DALCASTAGNÈ), pretendo fornecer algumas pistas para a seguinte questão: quem foi (e quem é), afinal, o "sujeito do discurso nacional", que realiza a escrita da história e a construção da memória? PALAVRAS-CHAVE: História da literatura brasileira. Crítica literária. Identidade nacional.

Historiografia literária brasileira hoje: hibridismo e multiplicidade

2020

A história da literatura brasileira registrada em compêndios e obras de referência apresenta, em sucessivos movimentos, os escritores, as obras e suas circunstâncias, desde o período colonial até o final do século passado. A partir deste último período, todavia, nota-se nessas obras uma certa incompletude, decorrente, entre outras razões, do tempo necessário aos procedimentos de seleção, análise e interpretação de dados sobre a variada e volumosa produção literária. Decorridos já dois decênios do século XXI, propõe-se neste artigo a retomada e a complementação das tendências da produção recente, tais como o hibridismo, a multiplicidade e a heterogeneidade, em suas relações de continuidade ou ruptura com a produção do século passado. Espera-se reunir neste texto subsídios para complementar a construção da historiografia literária brasileira.

História e Literatura: considerações a respeito de um eterno dilema

O presente artigo tem como objetivo trazer considerações a respeito da problemática relação entre a história e a literatura, evidenciando que há um segmento de estudiosos que trazem ambas como campos muito próximos, por vezes até mesmo únicos, o que leva a acalorados debates acerca da própria especificidade da História, e os limites que sua escrita tem se comparados às narrativas de ficção. Para isso, mostramos aqui como se dá essa problemática, além de trazer alguns dos principais nomes envolvidos nessa batalha pela própria sobrevivência da história, pelo menos aquela que ainda guarda resquícios da disciplina forjada nos idos do século XIX, nascida sobre uma base pretensamente científica, e que a todo momento se vê questionada. Assim, o que buscamos aqui é trazer um panorama desse debate que coloca história e literatura lado a lado, e todos os problemas e indagações que essa proximidade acarreta.

O apagamento da oralidade na historiografia da literatura brasileira

2009

Este artigo tem, por objetivo, mostrar como a oralidade tem sido abordada – quando é abordada – pelos historiadores da literatura brasileira. Trabalha com a hipótese de que a historiografia, por meio de estratégias discursivas, tem marginalizado a oralidade, bem como a contribuição das tradições ágrafas africana e indígena. Para verificá-la, perfaz um trajeto que tem início em Ferdinand Denis, cujo "Resumo da história literária do Brasil" foi publicado em 1826, e termina em Alexei Bueno, que publicou, em 2007, "Uma história da poesia brasileira", passando por Joaquim Norberto de Sousa Silva, João Manuel Pereira da Silva, Ferdinand Wolf, Sílvio Romero, Alfredo Bosi e Luciana Stegagno-Picchio. Busca, ainda, problematizar a noção de “literatura oral” e questionar a possibilidade de sua inclusão no cânone, além de chamar a atenção para a profusão de termos utilizados quando se trata de denominar a cultura que não é tida como erudita.

No labirinto da dependência a caminho da autonomia: considerações "desviantes" sobre a historiografia literária da América Latina entre identidades e deslocamentos

Caderno de Letras, UFPEL - Pelotas, 2020

Este artigo se propõe a explorar a historiografia literária da América Latina (AL) sob uma perspectiva crítica que supõe, por hipótese, a recorrência do uso de dicotomias como elemento que permeia e constrange a formação discursiva tecida na escrita da história do continente. Em face do quadro histórico de colonialidade que persiste como sentido do fenômeno social e cultural "latino-americano", a historiografia literária se depara com a problemática de ordem da estética identitária: a situação de dependência histórica em que estamos colocados diante do mundo europeu - o nosso "labirinto de dependência" - é revivida no uso do léxico dualista internalizado que prolonga, com efeito, uma relação assimétrica com o pensamento eurocêntrico. Na produção literária de perspectiva culturalista da Latino-América, o recorrido binarismo acentuado residente nos debates envolvendo os conceitos "originalidade X cópia", "modernidade X atraso", "autonomia X dependência" e "civilização x barbárie" têm re-atualizado a dependência em sua dimensão cultural: a definição de identidades ainda sob o molde da alteridade dos modelos europeus. Como passarmos, portanto, da crítica da condição sociocultural à escrita desviante de uma história híbrida, heterogênea e singular? Palavras-chave: Escrita da história; História da literatura; América Latina; colonialidade; dependência.

O CONCEITO DE AUTOFICÇÃO: DEMARCAÇÕES A PARTIR DA LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

O conceito de autoficção tem sido marcado por indefinições, confusões e contradições que acabaram por cristalizar um argumento que sustenta a impossibilidade de defini-lo de forma mais nítida. Um dos efeitos dessa confusão conceitual tem sido um misto de vulgarização e uso inadequado do termo, que passou a caracterizar toda sorte de obras pertencentes ao campo das “escritas do eu”. Neste texto, procuro demarcar de forma mais precisa as fronteiras que definem a obra autoficcional, apresentando as características que considero necessárias para seu melhor enquadramento conceitual. O argumento se desenvolve em diálogo com os textos teóricos mais relevantes e com base em exemplos da literatura brasileira contemporânea.

As porosidades do campo literário nacional: a emergência da literatura pós-Holocausto no Brasil

Revista Odisseia

Neste artigo, que dialoga com as ideias centrais da pesquisa de doutorado concluída por mim em 2020, proponho pensar a literatura brasileira pós-Holocausto como uma literatura emergente dentro do campo literário do Brasil. A emergência, conceituada como um potencial e um ato de ruptura, tem sido condicionada pela pesquisa teórico-crítica que viu a literatura em questão como marginalizada, étnica e alheia às realidades brasileiras. Para superar tal confinamento, contextualizo-a como um conjunto literário autônomo e heterogêneo que irrompe as fronteiras entre as noções da literatura brasileira, da literatura judaica e da literatura do Holocausto. Além disso, como uma característica particular e um parâmetro primário da sua emergência, chamo atenção à presença de memórias entrelaçadas de várias histórias de violência que provocam uma reflexão acerca de novas maneiras de rememoração no Brasil pós-ditatorial.

Iconoclastia convencionada: os limites da narrativa historiográfica literária em 'Uma história da poesia brasileira' de Alexei Bueno

RevLet - Revista Virtual de Letras, 2021

A elaboração narrativa de histórias da literatura, diferentemente da prosa literária em si, não foi profundamente remodelada pelas rupturas subversivas e experimentais das vanguardas do século XX. Com algumas ressalvas, as formas de se contar histórias da literatura mantiveram-se uniformemente lineares, coesas e conservadoras, reféns da claridade exigida por seus propósitos pedagógicos. A partir da indagação de David Perkins (1999) sobre a possibilidade de enredos de história literária mais intrincados, este artigo explora a obra Uma história da poesia brasileira (2007) do poeta e ensaísta Alexei Bueno (1963-). Exemplar do século XXI, o livro de Bueno, devido a seu afastamento dos – e aberta antipatia pelos – círculos acadêmicos, afeta um potencial renovador no arranjo formal e conceitual de sua narrativa, permitindo-se elipses na narração e insubordinação à cronologia, sob o enfoque impressionista de um narrador iconoclasta; em contrapartida, a obra está sujeita a abordagens convencionais nas demandas de hierarquização canônica e na disposição dos períodos literários. Não obstante, mesmo em sua insubordinação apenas relativa às normas e formas da História da Literatura como disciplina, o texto de Alexei Bueno é emblemático das atribulações que envolvem o arranjo narrativo da historiografia literária em geral, bem como os limites epistêmicos de sua estética e os interesses ideológicos que a permeiam.