O al-muhtasib no espaço ibérico medieval: (trans)missões e (trans)formações (original) (raw)
O al-muhtasib foi um funcionário islâmico que surgiu no final do século VIII, nos territórios muçulmanos do oriente. De base religiosa foi responsável pelo governo da instituição da Hisba, que tinha como objetivo ordenar o bem e interditar o mal, zelando pela ordem e bem-estar entre habitantes. Apesar de inicialmente não ter funções administrativas, o al-muhtasib acabou por substituir um outro oficial mais prático, o sahib al-suq, que por sua vez derivava de um funcionário helénico, o agorânomos, responsável pela inspeção dos mercados, dos pesos e medidas, da limpeza urbana e das regras para a edificação. Por isso, no mundo islâmico o al-muhtasib passou a controlar três domínios da vida urbana: mercado, sanitário e construtivo. O al-muhtasib foi introduzido nos territórios do Al-Andaluz durante a dominação islâmica. Mas a sua presença não se eclipsou com a reconquista da Península Ibérica. O cargo, embora cristianizado, foi mantido nos novos reinos: em Castela passou-se a chamar almotacén, em Portugal almotacé, e em Aragão mustaçaf. Com efeito, não deixa de ser revelador que o almotacé seja um dos primeiros cargos concelhios a ser referido e regulado nos diplomas constitutivos dos concelhos portugueses, herdando não apenas o nome mas também as jurisdições. De facto, o controlo sobre o construtivo sempre fez parte das competências do almotacé português, onde a fonte mais antiga que o comprova são os Costumes de Évora. Tal também aconteceu em Aragão, tomando-se Valência como exemplo para outras povoações. Todavia, em Castela, especialmente nos grandes aglomerados urbanos do Sul, caso de Sevilha, Toledo ou Córdova, dá-se conta da existência de um outro oficial no controlo da atividade construtiva, o alarife. Mas, este último, também derivou de um funcionário islâmico, o arif, o qual com o amin, foram os colaboradores diretos do al-muhtasib na execução das vastas atribuições. Na comunicação propõe-se explicar as (trans)missões e as (trans)formações do cargo do al-muhtasib no espaço ibérico medieval, focando em particular o controlo do construtivo, por ser o domínio menos estudado pela historiografia, mas também por obstar a ideia corrente de que o urbanismo medieval foi estabelecido sem supervisão das autoridades e desprovido de ordem.