O entretecer da fragilidade: rendar, bordar, tecer e coser (original) (raw)
Fragilidade e Formação: Uma Escrita Em Cinza
2017
Este artigo inscreve-se no genero ensaio, que apresenta caracteristicas proprias, que por vezes nao atendem as exigencias de um texto academico. Trata-se de uma escrita que se movimenta para pensar a formacao de profissionais da educacao atravessada pela experiencia da fragilidade. Uma conversa a partir de uma relacao de intimidade, de pensar a formacao como ensaio: uma metafora potente que pode trazer a possibilidade de criar outras paisagens no processo formativo da educacao. Um percurso que encontra no metodo cartografico a possibilidade de cartografar a fragilidade pelos seus afetamentos: a estranheza, a solidao e o esgotamento. A pesquisa avanca em uma escrita reflexiva que, em seu movimento, cria novos problemas, entre eles o de entrelacar pesquisador e pesquisa em um exercicio do pensamento, um pesquisar pesquisando-se. Experiencia da formacao que singulariza, que escuta, que conversa, que acontece como surpresa. Os teoricos que povoam o caminho/ensaio percorrido neste artigo...
Narrativas, repertórios e aprendizado: bordados e bordadeiras
Um vaqueiro estava perdido no meio de uma mata bem fechada, conhecido como mufumbal. Estava receoso diante do lugar desconhecido, quando se encontrou com um touro bravo no meio daquele sertão. O boi diante do vaqueiro tornava-se cada vez mais bravo, e de lá, o homem não conseguia fugir. Alguns dizem até que o touro estava tomado pelo espírito de uma divindade e que iria matar o vaqueiro porque ele estava desbravando o lugar que era do touro. Era o touro e o homem. E só. Diante do touro, e do temor que crescia, o homem fez uma oração à Sant'Ana. Sant'Ana é a avó de Jesus, e, também, cuida dos vaqueiros. Na oração, ele roga para que a santa o livre do animal. Como um milagre, de repente, o touro sumiu. No local do ocorrido, o vaqueiro, então, resolve limpar o terreno e edificar uma capela para adoração da avó de Jesus. Porém, conforme o homem edificava a igrejinha, uma seca muito intensa tomou conta da região. Cada vez mais grave, a seca colocava em perigo a vida dos habitantes do vilarejo e, do mesmo modo, o término da construção da capela. Sabendo que Sant'Anna é poderosa, buscou-a novamente. Foi quando observou que, próximo à capela, havia um poço e vaqueiro, então, rogou para que aquele poço não secasse e mantivesse vivo o povo da região. E o poço não secou. Ao longo dos anos, assim tem ocorrido, independente de quão grave é a seca: o poço de Sant'Ana nunca seca. Porém, o espírito do touro encantado ainda ameaça, pois ele foi habitar o corpo de uma serpente enorme que poderá destruir a cidade caso o poço venha a secar ou, então, quando as águas do rio Seridó chegarem até o altarmor da Matriz de Caicó.
Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional
Resumo A educação de infância surge como uma importante estratégia de prevenção ao ajudar as crianças a desenvolver com segurança as suas competências sociais e emocionais. Por seu lado os educadores devem estar conscientes da importância da competência social e dos comportamentos interpessoais como requisito essencial para uma boa adaptação da criança, tanto no presente, como no seu desenvolvimento futuro. Este artigo desenvolve-se em torno da reflexão acerca do desenvolvimento das competências sociais e emocionais das crianças em idade pré-escolar. Abstract In this article, we present a reflection about the development of social and emotional competence in preschool age. Research provides extant evidence of the relation between social competence, mental health and academic success. The interpersonal contributors and the relational context in which socialization takes place is also considered. Finally, extant information is detailed on the modeling, contingency and teaching mechani...
Entre gestos de costura e escrita
Revista Cupim, 2020
O gesto tecedor é evocado como alegoria dos processos de composição poética há séculos na prática do que hoje chamamos Estudos Literários. Dada a própria origem etimológica da palavra textodo latim textus, particípio passado do verbo texere que significa tecerpensar a escrita como trama, entrelaçamento de fios, é um procedimento que atravessa os milênios. As semelhanças entre os movimentos de escrita e tecelagem, no entanto, se expandem para além das raízes etimológicas, e os sentidos desse avizinhamento de gestos continuamente se multiplicam em textos teóricos, críticos e poéticos.
A arte e a força da fragilidade - Lucas Dilacerda
2024
O DENTRO É O FORA: A ARTE E A FORÇA DA FRAGILIDADE Lucas Dilacerda 1 INTRODUÇÃO Neoconcretismo filosófico Fonte: Lygia Clarck (1963). Na obra O dentro é o fora (1963), a artista Lygia Clark propõe uma reflexão sobre a inseparabilidade do “dentro” e do “fora, rompendo as categorias binárias tradicionais – tais como esquerda e direita, cima e baixo, antes e depois, início e fim – para enfatizar a interconexão e a interpenetração de diversos aspectos da vida. Essa obra é um exemplo marcante do movimento neoconcreto no Brasil. Clark focava na experiência do espectador, levando a um engajamento sensorial direto com suas obras. A prática artística de Lygia Clark busca romper com a relação passiva entre a obra de arte e o espectador, estimulando uma participação ativa e uma reflexão sobre a natureza da percepção e da existência. A obra questiona e redefine o conceito de espaço, promovendo uma interpretação mais holística e integrada da vida e suas experiências. Caminhando Fonte: Lygia Clarck (1963). Na obra Caminhando (1963), Lygia Clark utilizou o pensamento da Fita de Möbius para explorar temas de continuidade e a relação entre o dentro e o fora em sua obra. A Fita de Möbius, em matemática, é uma superfície com apenas um lado e uma única borda, desafiando a noção intuitiva de dentro e fora. Na obra de Clark, a Fita de Möbius serve como conceito de suas explorações sobre o espaço e a experiência sensorial. Ela buscava transcender as fronteiras tradicionais que delimitam o "dentro" e o "fora", refletindo sobre a interconectividade e a fluidez das percepções humanas. Sobre a obra Caminhando (1963), Suely Rolnik comenta: Caminhando data de 1963. Sua criação é uma resposta singular a um dos desafios que impulsionaram o movimento das práticas artísticas nos anos 1960 até 1970: ativar a potência clínico-política da arte, sua potência micropolítica, então debilitada por sua neutralização no sistema da arte. O impulso que deu origem a esse movimento resultou de um longo processo desencadeado pelas vanguardas do início do século XX, cujas invenções foram se capilarizando pela trama social, interrompendo-se apenas durante a Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Finda a Segunda Guerra, tal capilarização retomou seu curso ainda mais radical e densamente até gerar o amplo movimento social que sacudiu o planeta nos anos 1960 até meados dos anos 1970, marcado pela reapropriação da pulsão criadora em práticas coletivas na vida cotidiana, muito além do campo restrito da arte. A origem dessa proposição de Clark foi um estudo da artista para uma obra que posteriormente – e não por acaso – ela intitulou O antes é o depois. Inaugurava-se com esse estudo um novo rumo de sua conhecida série Bichos, voltado para a exploração da fita de Moebius: uma superfície topológica na qual o extremo de um dos lados continua no avesso do outro, o que os torna indiscerníveis e a superfície, uniface . Suely Rolnik colaborou extensivamente com a memória de Lygia Clark, documentando seus trabalhos e conduzindo entrevistas para exposições e publicações. O trabalho de Lygia Clark muitas vezes explorava a relação entre o corpo, o espaço e a subjetividade, alinhando-se a conceitos psicanalíticos. Experiências com "objetos relacionais" por parte de Clark foram um meio de criar novas experiências sensoriais que poderiam ter um papel terapêutico. Embora não haja menção direta da Fita de Möbius relacionada a Rolnik ou Clark, as teorias psicanalíticas frequentemente utilizam metáforas espaciais e topológicas para descrever o funcionamento da subjetividade e do inconsciente. A Fita de Möbius, sendo uma figura topológica, pode servir como um conceito para a natureza contínua e transformadora da subjetividade, tal como pensada por Michel Foucault. No capítulo As dobras ou o lado de dentro do pensamento, do livro Foucault (1985), Deleuze afirma que “Foucault não é mais um mero arquivista à Gogol, um cartógrafo à Tchekhov, mas um topologista à maneira de Biély no grande romance Petersbourg, que faz da dobra cortical uma conversão do lado de fora e do de dentro” ., p. 127. Caminhando Fonte: Lygia Clarck (1963). No texto A hora da micropolítica (2015), Rolnik elabora conceitualmente dois tipos de experiência: a do “sujeito” e a do “fora-do-sujeito”. Dois tipos de experiência que fazemos no mundo. A primeira é a experiência imediata, baseada na percepção que nos permite apreender as formas do mundo segundo em seus contornos atuais – uma apreensão estruturada segundo a cartografia cultural vigente. Em outras palavras, quando vejo, escuto ou toco algo, minha experiência já vem associada ao repertório de representações de que disponho e que, projetado sobre este algo, lhe atribui um sentido. Este modo de congnição é indispensável para a existência em sociedade, porém essa é apenas uma entre as múltiplas experiências outras experiências que a subjetividade faz do mundo e que operam simultaneamente. Trata-se da experiência do que chamamos de “sujeito”. Em nossa tradição ocidental, confunde-se “subjetividade” com “sujeito”, porque nesta política de subjetivação, é apenas esta capacidade a que que tende a estar ativada. No entanto, a experiência que a subjetividade faz do mundo é potencialmente muito mais ampla, múltipla e complexa. Um outro tipo de experiência que a subjetividade faz de seu entorno é a que designo como “fora-do-sujeito”, é a experiência das forças que agitam o mundo enquanto corpo vivo e que produzem efeitos em nosso corpo em sua condição de vivente. Tais efeitos consistem em outra maneira de ver e de sentir aquilo que acontece em cada momento (o que Gilles Deleuze e Félix Guattari denominaram, respectivamente, “perceptos” e “afectos”). Somos tomados por um estado que não tem nem imagem, nem palavra, nem gesto que lhe correspondam e que, no entanto, é real e apreensível por este modo de cognição que denomino “saber-do-corpo”. Aquí já não se trata da experiência de um indivíduo, tampouco existe a distinção entre sujeito e objeto, pois o mundo “vive” em nosso corpo sob o modo de “afectos” e “perceptos” . No livro Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada (2018), Rolnik relaciona a obra de Lygia Clarck com a experiência do “fora-do-sujeito” , aproximando-a dos conceitos de “percepto” e “afeto” de Deleuze e Guattari: “Introduzem-se outras maneiras de ver e de sentir, que podemos associar à experiência que Lygia Clark teve ao recortar sua fita de Moebius e que a levou a criar Caminhando. A essas outras maneiras, Gilles Deleuze e Félix Guattari deram o nome, respectivamente, de ‘percepto’ e ‘afeto’” . ESQUIZOFRENIA: O ENCONTRO COM O FORA Para Deleuze e Guattari, a esquizofrenia é o processo de descodificação dos fluxos, ou seja, é o processo de liberação dos fluxos codificados pelo socius. Assim, logo nas primeiras páginas d’O anti-Édipo (1972), Deleuze e Guattari descrevem o passeio do esquizofrênico ao ar livre em contraposição à imobilidade do neurótico no divã. O passeio do esquizofrênico: eis um modelo melhor do que o neurótico deitado no divã. Um pouco de ar livre, uma relação com o fora. Por exemplo, o passeio de Lenz reconstituído por Büchner. É diferente dos momentos em que Lenz se encontra na casa do seu bom pastor, que o força a se ajustar socialmente em relação ao Deus da religião, em relação ao pai, à mãe. No seu passeio, ao contrário, ele está nas montanhas, sob a neve, com outros deuses ou sem deus algum, sem família, sem pai nem mãe, com a natureza. [...] Tudo compõe máquina. Máquinas celestes, as estrelas ou o arco-íris, máquinas alpinas que se acoplam com as do seu corpo. Ruído ininterrupto de máquinas. Ele “achava que deveria ser uma sensação de infinita felicidade ser tocado assim pela vida primitiva de toda a espécie, ter sensibilidade para as rochas, os metais, para a água e as plantas, captar em si mesmo, como num sonho, toda criatura da natureza, da mesma maneira como as flores absorvem o ar com o crescer e o minguar da lua”. Ser máquina clorofílica ou de fotossíntese ou, pelo menos, enlear seu corpo como peça em tais máquinas. Lenz se colocou aquém da distinção homem-natureza, aquém de todas as marcações que tal distinção condiciona. Ele não vive a natureza como natureza, mas como processo de produção. Já não há nem homem nem natureza, mas unicamente um processo que os produz um no outro e acopla as máquinas. Há em toda parte máquinas produtoras ou desejantes, as máquinas esquizofrênicas, toda a vida genérica: eu e não-eu, exterior e interior, nada mais querem dizer . Na descrição do delírio do esquizofrênico, Deleuze e Guattari pontuam a sua recusa ao “Édipo”, ao “pai”, à “mãe”, ao “eu”, à “família”, à “sociedade” e ao “Deus da religião”; e ao mesmo tempo o seu livre desejo cósmico e pulsante de conexão com a natureza, com as pedras, as rochas, as montanhas, os metais, a neve, a água, as plantas, as flores, as estrelas, o arco-íris, a lua e o sol. O passeio do esquizofrênico ao ar livre é o encontro com o fora, ou seja, é a criação de uma sensibilidade que se constrói em devir com a natureza, são máquinas se acoplando com outras máquinas, abandonando assim os dualismos sujeito-objeto, eu-outro, exterior-interior, homem-natureza. DESERTO: O FORA DO MUNDO Na filosofia de Deleuze e Guattari, a imagem do Mundo Implicado é o deserto, isto é, a paisagem não-humana da Natureza. O deserto é a Terra que realizou o processo de subtração do homem e, ao mesmo tempo, é a paisagem anterior ao homem, na ausência do homem, antes do seu processo humanista, civilizatório e colonizador. Nesse sentido, o deserto é o Mundo desestratificado, despovoado, desertificado, ele é o Mundo sem sujeito e sem objeto, um Mundo que não pressupõe nada, que pressupõe só a si mesmo, é uma Terra solitária, entretanto, é uma solidão povoada, preenchida de multiplicidades e intensidades livres. O deserto é o Mundo desterritorializado. E d...