Ecclesia Semper Reformanda. A Congregação dos Lóios e a Reforma da Igreja : (Itália, Portugal e África – 1404-1580) (original) (raw)

Parece-me bem significativo o início da introdução desta obra: «São infinitas as formas de abordar a História, como infinitas são as formas de cada um de nós abordar a vida. Um velho aforismo diz que à nossa porta começam todos os caminhos, cabe-nos apenas escolher o desejado». Com efeito o autor, Nuno de Pinho Falcão, no seu processo de formação universitária, que acompanhei de perto, desde a licenciatura, ao mestrado e ao doutoramento, foi abordando a vida com uma forte vontade de vencer, denodo, alegria e vivacidade, demonstrando uma maturidade que só se alcança nesses verdes anos com experiências vivenciais sofridas. Com uma curiosidade infinita pela História e suas infinitas abordagens, a pouco e pouco ele foi-se inserindo e privilegiando a História Religiosa, Cultural e das Mentalidades, de modo a perceber e compreender cada vez mais a fundo as sendas infindas das vivências espirituais, da religiosidade, com particular incidência nas épocas mais conturbadas e complexas, como o imenso mundo problemático da Reforma. Foi um caminho difícil de escolher, até porque o Nuno sempre ávido de saber mais e mais, frequentemente enveredava por este ou aquele meandro mais obscuro da História Religiosa e Cultural que era preciso aprofundar. A História Religiosa ligada à Reforma era, pois, um desafio que entusiasmava, tanto mais que em diferentes perspectivas, contextos e níveis, o desconhecido aparecia a cada passo. Daí o enfoque em autores como Gerhart Ladner, Pierre Chaunu ou Silva Dias, cuja escrita problematizante foi um impulso incentivante. Em 2005, o Nuno recebe uma bolsa de mérito da Universidade do Porto, que lhe permite inscrever-se no Curso de Mestrado em Estudos Locais e Regionais com o tema Os Azuis no Porto. O Convento Lóio de Nossa Senhora da Consolação (1490-1640). Esta dissertação possibilitou-lhe fazer emergir a Congregação dos Cónegos Seculares de S. João Evangelista dum desconhecimento geral, focando a sua originalidade, as relações estreitas com a nobreza, já que os seus membros provinham dessa elite, as suas ligações fundacionais à Itália. Em 2009, ainda antes de acabar o Mestrado, o Nuno de Pinho Falcão recebe mais um prémio, o de Paleografia e Diplomática, concedido pelo Arquivo da Universidade de Coimbra. Desde 2008 que fazia um estágio de técnico superior no Museu de Arte Sacra da Santa Casa da Misericórdia de Penafiel, findo o qual passou a desempenhar a função de técnico superior responsável pelo dito Museu, sempre em dedicação exclusiva. Em 2010 fez um outro estágio de técnico superior no Museu Regional de Angra do Heroísmo, segundo o mesmo regime. Numa perspectiva muito abrangente e profunda, é óbvio que a dissertação de Mestrado, a primeira obra de folgo do Nuno de Pinho Falcão, deixava outras questões em aberto, nomeadamente uma visão monográfica e de conjunto dos conventos da Congregação, no contexto da Igreja portuguesa, uma certa acção reformadora em plena época de viragem que urgia aprofundar. Assim, em 2011, o Nuno Falcão apresentou este projecto de dissertação de Doutoramento, que só então podia concretizar mediante uma bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Nota prévia Ao Sr. Eng.º D. Luís de Azevedo de Vasconcelos e Sousa, que acedeu com grande amabilidade à consulta de documentação do seu arquivo familiar, o dos Marqueses de Ponte de Lima (representantes dos morgadios dos Nogueira). Ao Rev.º Dom Francesco Trolese, OSB, Abade emérito de St.ª Justina de Pádua, pelo acolhimento na biblioteca da Abadia, tão proximamente ligada à fundação da Congregação de S. Jorge em Alga, e pela generosa oferta de bibliografia. Agradeço ainda o acolhimento sincero do Prof. Doutor Gianpaolo Romanato, da Universidade de Pádua e da Pontifícia Comissão de Ciências Históricas. Por fim os agradecimentos pessoais. O apoio e a amizade da família, dos velhos e dos novos amigos, com quem se partilha (pobres deles!) as alegrias e dificuldades do percurso e que por isso o tornam ainda melhor, fazem brotar do coração uma gratidão luminosa. À Patrícia Teixeira Santos, aos P.es Joaquim Teixeira e Manuel Amorim, ao João Loureiro (a quem agradeço ainda a imagem que orna a capa deste livro), à Eliana Calado e à Alexandra Cardoso, à Marlene Pinto, ao José Monteiro. À amizade fraterna da Laura Sarmento, da Telma Correia e do meu primo Miguel Martins Costa. À minha prima Bárbara Falcão e à memória da minha tia Isabel Falcão Passos. Aos Pais. Aos Manos. Obrigado. introdução São infinitas as formas de abordar a História, como infinitas são as formas de cada um de nós abordar a vida. Um velho aforismo diz que à nossa porta começam todos os caminhos, cabe-nos apenas escolher o desejado. O meu interesse pelos cónegos Lóios tem já uma década, e longo tem sido o caminho que temos trilhado em conjunto: eu no meu papel de investigador, eles no seu de memória histórica, de outros tempos e outras formas de vivência espiritual e religiosa. O meu caminho, escolhido à saída «da minha porta», é voluntário, o deles é imposto pelo desejo do investigador de melhor os conhecer e mais profundamente caracterizar. Congregação exclusivamente portuguesa, com nove casas conventuais em quatro séculos de existência, número de religiosos que não terá ultrapassado algumas centenas, poderá levar a uma questão quase economicista: qual o real interesse em estudar a Congregação dos Cónegos Seculares de São João Evangelista (padres Lóios)? Os autores que lhes têm dedicado alguma atenção sustentam a sua importância, enquanto objeto de estudo, na sua ligação à Casa de Avis, na proximidade aos reis e rainhas desta dinastia, no valimento que lhes assegurou proteção, expansão, enriquecimento e um conjunto de encargos espirituais e administrativos de alguma monta. Destaca-se o seu papel como educadores das elites africanas e o de administradores hospitalares profissionais avant la lettre, com a administração de alguns hospitais régios e da Casa de Bragança, como foram os hospitais real de Coimbra, das Caldas da Rainha, e até o hospital real de Todos os Santos de Lisboa. No entanto valimento e encargos são resultado de uma realidade estrutural mais profunda da Congregação dos Lóios: a sua natureza de congregação clerical secular de vida comum (que veremos ser, seguindo o modelo de Alga, uma novidade no universo congreganista), de notório perfil reformista. Creio ser neste ponto que reside a verdadeira resposta à dúvida mencionada, quando consideramos, para além da exiguidade numérica dos seus religiosos e Casas, o seu papel enquanto congregação religiosa reformista. A sua ligação à congregação de São Jorge em Alga de Veneza coloca os padres Lóios na linha reformista da Itália, em particular de Veneza, do século XV. Alga não foi só um figurino exterior que se adotou, existindo um verdadeiro (re)conhecimento de pessoas e de ideias, de círculos reformadores, que ultrapassaram as dificuldades do espaço e do tempo para estender um modo de vida que se acreditava ser o apostólico, e como tal o original de uma Igreja que se pretende reformar. Sendo certo que os números em História têm o seu relevo, a exiguidade numérica (em Casas e efetivos) destas congregações não diminui a importância do seu papel na relação com um dos elementos estruturais do pensamento cristão ocidental: a ideia de reforma, entendida na formulação de Gerhart Ladner, no seu The idea of Reform 6 , que nas palavras de José Adriano de Freitas Carvalho, é «um antigo, mas tanto quanto sabemos, ainda não superado, trabalho» 7 .