A identidade como valor: reflexões sobre o ethos nacional brasileiro (original) (raw)

Como ensina Weber, “a Sociologia é uma ciência que se dedica à compreensão interpretativa da ação social” (Weber, 1921a: 4). Essa afirmativa aparentemente banal prefigura, contudo, repercussões teóricas cruciais, pois, como ressalta Parsons na trilha do mestre alemão, “num sentido, toda a ação é a ação de indivíduos. No entanto, o organismo e o sistema cultural incluem elementos essenciais que não podem ser pesquisados no nível individual.” (Parsons, 1969: 17). Essa constatação da duplicidade essencial do objeto da Sociologia – indivíduo/sociedade – aliás já formulada por Durkheim, redundou numa espécie de divisor de águas no campo da disciplina e estabeleceu duas grandes tendências: as abordagens microteóricas, que supõem que “a sociedade seja um produto de uma negociação resultante de decisões, sentimentos e desejos individuais” (Alexander, 1990: 14) e as abordagens macroteóricas, que enfatizam “o papel de estruturas coercitivas na determinação do comportamento individual e coletivo” (Alexander, 1987: 5). Entretanto, o debate recente acerca da oposição entre agência e estrutura tem demonstrado que as perspectivas de síntese são muito mais produtivas do que a redução artificial do extenso leque das ações dos atores sociais em poucas e invariantes estruturas inferidas pelo analista, bem como a subsunção dessas estruturas ao nível atomístico dos sujeitos (Cf. Elias, 1939, passim; Alexander, 1990: 301-28). Concordando com essa argumentação, procuraremos definir o papel dos valores no com-portamento dos indivíduos, considerando que três são os componentes subjetivos da ação: (a) parâmetros racionais que equilibram, pelo cálculo, desejos, crenças em oportunidades e avaliação de resultados (Cf. Elster, 1989: 29-59); (b) códigos de conduta, fundamentados no que em outra ocasião conceituamos como “padrão ético”, ou seja, “a gramática do comportamento e o desiderato moral” de uma determinada sociedade (Caniello, 1993: 9); e (c) princípios de pertença, que consolidam sentimentos de inclusão na “comunidade” e que proporcionam ao indivíduo uma identidade social e um credo gregário, ao torná-lo “parte” da totalidade que o define como “pessoa”. Para além do cálculo racional – evidentemente o fator primário da ação humana em geral – os códigos de conduta e os princípios de pertença informam a especificidade do comportamento das pessoas em seu contexto cultural, pois sintetizam os valores dominantes na estrutura social. Assim, orientaremos nossas reflexões pelo pressuposto de que o indivíduo age a partir de uma dialética, nem sempre conscientemente operada, entre parâmetros racionais, códigos de conduta e princípios de pertença, e consideraremos esses três fatores da ação como vetores de um contínuo entre o “eu” e o “nós”, cuja força de determinação variará de acordo com o contexto no qual a ação esteja ambientada. Contudo, privilegiaremos na análise exatamente os “componentes culturais” da ação, pois entendemos que são esses componentes que informam um estilo peculiar imperativo para a ação em cada sociedade, raiz da identidade entre os indivíduos e fonte da solidariedade social que a sustenta, o que denominamos ethos (Caniello, 2001), o “sistema de idéias e valores que domina a cultura e, que, portanto, tende a controlar o tipo de comportamento de seus membros”, algo que age como um “aroma” que impregna a cultura como um todo (Cf. Kroeber, 1923: 101-2).