Pensar a plasticidade na composição musical: esculpindo tempo, modelando escutas (original) (raw)

Pensar a plasticidade na composição musical: esculpindo tempo, modelando escutas Thinking of plasticity in the musical composition: sculpting time, modeling listenings

Revista ORFEU, 2020

Este artigo trata de alguns problemas composicionais musicais que têm insistido em atuar na prática composicional do autor e que se destacam devido aos seus modos de funcionamento no escoar contínuo de um fluxo temporal. Os problemas abordados foram levantados a partir de observações e reflexões de um pesquisador acerca de sua própria prática como compositor, mas não deixaram de ser trabalhados e verificados em variados contextos e situações que apontam para singulares modos de resolução dos problemas. Assim, através da análise de peças de diferentes compositores em contraponto com as composições do próprio pesquisador, o artigo contribui para se pensar a abordagem de alguns problemas composicionais em função de transformações plásticas dos objetos e texturas musicais em suas relações com o tempo, tido tanto como escoamento de um fluxo quanto como acontecimento.

A plasticidade e as vozes de fora

Das Questões

A partir da ideia de uma filosofia de primeira pessoa em Levinas, exploro o indexicalismo e a metafísica dos outros como registros de uma impossibilidade da metafísica que entende a heteronomia como permanente e insistente. A proximidade que permite que a totalidade seja exorcizada, permite pensar em um mundo de situações, em um mundo situado. Essa imagem é comparada com a de uma plasticidade instaurada pelo tempo do hábito, defendida por Malabou, e que dá proeminência a vozes de fora quando elas se inserem em uma antecipação. A partir da análise que Malabou faz da religião revelada de Hegel, o niilismo e a morte de Deus é entendido como um sacrifício de si que sacrifica com ele qualquer genuína heteronomia.

Reflexões sobre a análise musical e o processo criativo

Resumo: Artigo propondo uma reflexão sobre a contribuição musical de procedimentos analíticos para o labor do compositor. Estabelece-se um diálogo entre a tradição de se reutilizar materiais composicionais em novas obras e os pensamentos críticos acerca da cientifização da análise, bem como de seu uso como fim em si mesma. Por fim há comentários de compositores apontando a importância de poder reutilizar em suas obras materiais extraídos de contextos e obras externas.

Processos microtemporais de criação sonora, percepção e modulação da forma: uma abordagem analítica e composicional

Esta tese trata de processos de análise e criação sonora por meios tradicionais e através de ferramentas computacionais, a partir da interação entre análise/criação e percepção. Em sua primeira parte, tendo como base as noções de tecnomorfismo e síntese instrumental, apresentamos um estudo de alguns processos sonoros microtemporais que são classificados como ondulatórios ou granulares, através de uma abordagem complementária entre estes dois modelos. Sobre a percepção e a modulação das morfologias sonoras produzidas a partir destes processos, apresentamos uma análise tendo como ferramentas teóricas o princípio da individuação e o método alagmático de Gilbert Simondon, a autopoiese de Humberto Maturana e Francisco Varela, a enação de Varela, além das saliências, pregnâncias e a teoria as catástrofes de René Thom. No que tange às suas diferentes escalas temporais, estas morfologias podem apresentar características isomórficas, de acordo com as proposições de Stockhausen, Koenig e Grisey, ou heteromórficas, tal como propõe Vaggione. Dentro deste panorama estudamos e analisamos o fenômeno da fusão de diferentes timbres numa única estrutura perceptiva pelos vieses psicoacústico (por jitter) e composicional, através de conceitos propostos por Ligeti e Grisey. Na segunda parte deste trabalho analisamos obras musicais instrumentais e eletroacústicas (acusmáticas e mistas) de Schoenberg, Ligeti, Murail, Xenakis, López-López e Vaggione, as quais apresentam importantes contribuições (a partir de diferentes métodos) sobre a fusão de timbres. Por fim, descrevemos e analisamos etapas do processo criativo de cinco composições realizadas ao longo desta pesquisa, obras estas para instrumentos solistas e para diferentes formações instrumentais e vocais, com quatro delas possuindo tratamentos eletrônicos em tempo real. This thesis addresses analysis and composition processes by traditional means and by computing environments, from an interaction between analysis/composition and perception. In the first part, based on the concepts of technomorphism and instrumental synthesis, we present a study of a few microtemporal sound processes. These processes are classified into undulatory and granular paradigms, upon which we propose a complementary approach. Regarding to sound morphology perception and modulation, we present an analysis having as theoretical basis the principle of individuation and the allagmatic method of Gilbert Simondon, the autopoiesis of Humberto Maturana and Francisco Varela, the enaction of Varela, besides the saillances, prégnances and the catastrophe theory of René Thom. With respect to the different temporal scales, these morphologies can have isomorphic features, in agreement with the propositions of Stockhausen, Koenig and Grisey, or heteromorphic features, as proposes Vaggione. In keeping with this approach, we study and analyze the fusion of different timbres into a single perceptual structure, by psychoacoustic (jitter) and compositional (by Ligeti and Grisey’s concepts) means. In the second part of this work, we analyze instrumental and electroacoustic musical works by Schoenberg, Ligeti, Murail, Xenakis, López-López, and Vaggionne, all of them providing important contributions for timbre fusion phenomenon. Lastly, we describe and analyze our creative process in five musical works, which had been composed during this research. Among these works, there are solo pieces and pieces for different instrumental and vocal ensembles, four of them with live electronic treatments.

A escuta em deslocamento: uma conversa sobre criação musical

13o Mundo de Mulheres & Fazendo Gênero 11, 2017

Neste artigo propomos estabelecer uma reflexão a partir de uma conversa sobre duas peças feitas em 2015: de perto, de Lílian Campesato, e Trajetórias, de Valéria Bonafé. Ainda que as artistas possuam práticas distintas e que seus trabalhos se situem em campos marcados por um certo grau de especificidade, as duas peças buscam, cada uma à sua maneira, provocar o que chamamos aqui de deslocamentos da escuta. As peças tensionam a ideia de uma escuta generalizada, entendendo que a escuta sempre é modulada por um sujeito. Nesse contexto, exploramos aspectos como: escuta pública e escuta privada, escuta habitual e nãohabitual, escuta íntima, e escuta fragmentada. Através das ideias de conversa e de escuta ampla, um deslocamento é experimentado no próprio processo de feitura deste trabalho. Não se trata exatamente de um desvio, mas sim de uma abertura de foco: os trabalhos são tomados como mote para um percurso maior de incursão no processo criativo do outro. A escuta é assim marcada pela experiência da alteridade.

O tempo da escuta musical: o ao vivo na música a partir da dimensão temporal da escuta conexa

Intexto, 2023

O presente trabalho propõe uma reflexão sobre a dimensão temporal da escuta conexa a partir do “aovivismo” musical. Entenderemos a escuta conexa, não como um modo particular de se escutar e consumir música, mas como um modo de entender a escuta musical em sentido mais amplo atentando para suas camadas “não-musicais”, ou seja, como uma prática comunicacional acionada através do engajamento entre o corpo humano e tecnologias de reprodução em regimes de conectividade em rede e através de plataformas digitais. Com base em três breves relatos de transmissões de shows recentes e seus desdobramentos nas mídias sociais propõe-se um debate sobre o “ao vivo” na música além uma condição técnica da gravação e transmissão, mas, sim, como um efeito construído através de agenciamentos das assincronias e temporalidades complexas da performance gravada, entendendo a escuta musical como um elemento temporalizador e agenciador de um tempo presente.

Entre escutas e solfejos: afetos e reescrita crítica na composição

Universidade Estadual de Campinas, 2016

Este trabalho tem dois objetivos principais. O primeiro é afirmar a singularidade da reescrita crítica como um modo especial de reescrita ou de relação intertextual no campo da composição musical. Compreendendo a reescrita como a prática comum de reelaboração de materiais, gestualidades, técnicas e procedimentos musicais já anteriormente concebidos e construídos, busco defender a tese de que a reescrita crítica se singulariza ao se determinar enquanto uma operação composicional que torna possível que uma obra ou material musical antigo seja escutado a partir de novos modos de escuta. Para melhor consolidar a tese, organizei então o trabalho em três grandes capítulos, aos quais correspondem temas que, de certa maneira, produzem um caminho para a afirmação da tese. No primeiro capítulo procuro abordar os afetos enquanto a pluralidade de linhas expressivas das mais diversas naturezas (qualitativa, emocional, geográfica, cultural, política, econômica, histórica, etc.) que se manifestam e se complicam umas com as outras nos corpos sonoros e musicais e que, na escuta, nos afetam. No segundo capítulo é o conceito de solfejo que abordo, compreendendo-o como as variadas lógicas operacionais, necessariamente atentas aos efeitos que produzem na escuta, de consolidar materiais heterogêneos em uma composição musical. Solfejo é assim uma constelação de afetos, uma conjunção de modos de ser afetado, sentir, perceber e escutar mais ou menos determinável. Por fim, o terceiro capítulo trata da reescrita crítica enquanto um ato de reelaboração caracterizado por cruzar dois solfejos pelo menos, para assim perturbar o modo de escuta original implicado nos materiais ou procedimentos antigos, que passam assim a serem escutados de outras maneiras. O segundo objetivo principal dessa tese consiste na integração dos problemas que enfrento e busco solucionar em meu próprio trabalho prático composicional às problematizações e temáticas teóricas e filosóficas abordadas em cada um dos capítulos. Trata-se, nesse sentido, de uma pesquisa científica em que busco melhor compreender a minha prática composicional relacionando-a com obras de outros autores por meio da injeção, ao longo do texto acadêmico, de problemáticas e ideias coletivas que também me são caras em minhas própria pesquisas artísticas e composicionais.

Metapadrões como ferramenta para a composição musical: uma abordagem pessoal a partir do pensamento sistêmico e dos estudos da complexidade

Esta tese discute a utilização de metapadrões como ferramenta para a composição musical com formas abertas, partituras gráficas, improvisação, interação entre linguagens artísticas e eletrônica ao vivo, a partir do pensamento sistêmico e dos estudos da complexidade. Foca no papel da partitura em uma situação, em que um grupo de musicistas improvisa a partir de uma partitura com notação não-tradicional, procurando entendê-la como um processo complexo. Parte, assim, para o estudo de um caso específico na diversidade de práticas musicais, onde uma partitura é aceita por intérpretes como ponto de partida para uma performance musical. No Capítulo 2, procura entender a situação pela metáfora de um atrator estranho, a partir da Teoria do Caos, com dimensão fractal e dependência hipersensível das condições iniciais: não-linear, dinâmica, imprevisível, auto-semelhante, complexa — sendo estas, características de sua forma. Discute, nesse contexto, o papel de modelos. Fazendo um ziguezague entre forma e processo, observa a partitura através de três olhares, nos três próximos capítulos. No Capítulo 3, traz um primeiro olhar, que procura ampliar o entendimento da forma do processo para um entendimento de sistemas, feitos de partes em interação. A partir do pensamento sistêmico em Gregory Bateson, discute a abdução como ferramenta do pensamento (o papel de modelos, também como estórias e metáforas) e sua compreensão de padrões (patterns). Em seguida, analisa sua lista de seis critérios do processo mental, entendendo o sistema, suas partes em interação, como formado pelas musicistas e a partitura, na situação enfocada. Conclui que, nessa perspectiva, a partitura pode ser vista como um ponto por onde flui energia colateral para o sistema e veículo de metamensagens no processo. Faz uma crítica ao pensamento em hierarquias, em Bateson. No segundo olhar (Capítulo 4) procura voltar ao processo, analisando uma partitura que pressupõe a situação enfocada: Wu-Li, de Hans-Joachim Koellreutter. A análise aponta para um pensamento composicional interessado nas inter-relações dos gestos musicais no tempo, do qual apreende a possibilidade de se pensar em um padrão de inter- relações entre padrões de inter-relações, um metapadrão. No terceiro olhar (Capítulo 5), procura entender mais da forma do processo, a partir dos estudos da complexidade: cadeias de retroalimentação, autorganização e o emergir, em sistemas da natureza daqueles discutidos no primeiro olhar. Faz uma crítica ao pensamento sistêmico. Tenta ultrapassar a formulação em hierarquias: propõe uma substituição do esquemático no pensamento sistêmico, por um pensamento diagramático, próximo ao entendimento do processo em Félix Guattari. Entende um metapadrão como ferramenta, e não-fórmula, de um pensamento composicional. O autor passa a analisar a utilização desse pensamento em suas próprias composições, com relação: ao uso da segunda pessoa do singular, às inter-relações entre tempo e notação, aos objetos e à inter-relação corporal. Compara o metapadrão a uma metáfora e a um diagrama, ao mesmo tempo retrospectivo e projetivo, e ressalta sua utilização no atravessar a membrana entre linguagens artísticas. Por fim, exemplifica o pensamento exposto na tese, descrevendo a elaboração: do algoritmo para a eletrônica ao vivo e da partitura de gosto de terra.

Instanciações do tempo: os processos de repetição como proposta para a análise musical

2016

Resumo: Este artigo discute a correspondencia entre o conceito de tempo de Gilles Deleuze – as sinteses do tempo – e as Estruturas do Tempo de Iannis Xenakis. Em seu livro Musique Formelles , Xenakis apresentou as primeiras ideias dos elementos de temporalidade que mais tarde iria se tornar um conceito tripartite de tempo: hors-temps , temporelle , e en temps . Em 1968, Deleuze escreveu sua tese de doutorado chamada Difference et Repetition , e que constitui um enorme tratado sobre o tempo. Ambos os autores trabalharam nas ideias de filosofos pre-socraticos (embora Deleuze refira-se mais diretamente a Bergson e Hume) na medida em que esses pensadores gregos consideram o tempo como um devir. Xenakis concebeu as Estruturas do Tempo como uma base filosofica para suas composicoes, tais como Analogique AB , Nomos Alpha e Achorripsis . Ja a filosofia de Gilles Deleuze sempre esteve aberta a explorar novas possibilidades, e que dessa forma transita por diversas areas do conhecimento. Ivank...

“Via-os ao mesmo tempo ‒ ouvia-os ao mesmo tempo”: criação musical, teatralidade e autoanálise composicional

Debates | Unirio, 2019

Ensaio de autoanálise composicional baseado no trajeto criativo de I saw them together ─ I heard them together (2017), um trio para flautista, clarinetista e saxofonista, com duração de aproximadamente 11 minutos. A autoanálise é compreendida como uma reflexão mediada pelo confronto com referências e documentos da prática composicional, resultando em uma narrativa, na qual o compositor-pesquisador concomitantemente reconhece e revela os sentidos atribuídos por ele mesmo ao processo criativo e à sua identidade artística. O projeto composicional dialoga com as investigações das interações música/gesto empreendidas por compositores da música de concerto pós-1960: aplicação de critérios composicionais a materialidades cênicas e exploração de sentidos narrativos na performance musical. O planejamento composicional da peça propunha uma estrutura de ações inspirada pela referência a um trecho do romance Coração das Trevas (1902), de Joseph Conrad (1857-1924). A escrita e a montagem foram permeadas de escolhas composicionais que visavam promover o fluxo da ação, ou seja, de soluções de continuidade entre suas seções e de interação entre as figuras cênicas dos instrumentistas. Essas escolhas englobam tratamento de materiais musicais e materiais cênicos que mutuamente costuram e avançam a forma e a narrativa.