Dos Usos Público e Privado Da Razão Segundo Immanuel Kant (original) (raw)

Uso público da razão em Kant

2006

O tema da publicidade (Publicität) e do uso público da razão aparece intimamente ligado, em Kant, a um conjunto de teses defendidas em textos ditos de ocasião mas também nas grandes obras sistemáticas com particular destaque para a Crítica da Razão Pura. Para além do interesse que possuem os textos de Kant na medida em que versam questões que ainda são nossas também, acresce o facto de parte significativa da reflexão contemporânea sobre a razão pública se entrecruzar com alguns dos compromissos implicados nos textos de Kant. Não é nosso propósito interrogá-los, de forma directa, à luz do debate contemporâneo em torno da noção de razão pública nem entrar em polémica com os intérpretes de Kant que exploram as conexões e as diferenças entre as posições de Kant e as de autores contemporâneos que, com maior ou menor razão, se reclamam de uma inspiração kantiana como é o caso de Rawls ou de Habermas. Também não vamos tentar contextualizar a discussão de Kant nem sequer em torno da questão Que é o Iluminismo? ou entrar pela análise dos termos chave em sede de uma história dos conceitos 1 .

Kant e a liberdade prática na Crítica da Razão Pura

Revista de Filosofia Aurora, 2012

Kant estruturou sua filosofia de modo a manter a possibilidade de afirmarmos que somos seres pertencentes ao mundo sensível e, enquanto tais, termos todos os nossos comportamentos explicados de um modo natural; todavia, ele também sustentou que somos seres com uma capacidade racional de representação de um dever ser do mundo, capacidade que nos permite termos todas as nossas decisões avaliadas de uma maneira que independe de como o mundo realmente é. Neste trabalho, examinaremos a posição de Kant em alguns textos da primeira Crítica em que se diferencia a liberdade transcendental, ou liberdade como espontaneidade, da liberdade prática entendida como livre-arbítrio, que pode se determinar por representações da razão. Com base nos textos e em comentários de Allison (1982), veremos que a liberdade em sentido práticoé diferenciada da liberdade em sentido cosmológico, sendo, por um lado, compatívelcom o determinismo das causas naturais, que opera com a explicação dos fenômenos(e o livre-...

"Público" e "Privado" nos textos jurídicos francos

Cep: 05508-900 candido@usp.br RESUMO O objetivo deste artigo é discutir a dicotomia "público" e "privado", buscando mostrar como ela foi utilizada pela historiografia tradicional para situar cronológica e tematicamente a Alta Idade Média. Isso feito no âmbito de uma evolução geral que teria conduzido, através do triunfo do "público" sobre o "privado", à construção do mundo moderno. Buscar-se-á igualmente, a partir de alguns textos jurídicos, mostrar como essa dicotomia é inviável para a compreensão do mundo franco na Alta Idade Média.

Immanuel Kant - Crítica da Razão Pura

encomenda do livreiro de Kant em Königsberg. Tradução do original alemão intitulado KRITIK DER REINEN VERNUNFT de IMMANUEL KANT, baseada na edição crítica de Raymund Schmidt, confrontada com a edição da Academia de Berlim e com a edição de Ernst Cassirer. Reservados todos os direitos de harmonia com a lei Edição da Fundação Calouste Gulbenkian Av. de Berna I Lisboa 2001 PREFÁCIO DA TRADUÇÃO PORTUGUESA A Crítica da Razão Pura, de que apresentamos esta tradução em língua portuguesa, é um monumento único na história da filosofia, traduzindo uma verdadeira revolução no pensamento ocidental, e resultado de uma longa e profunda meditação. Tradicionalmente, divide-se a atividade filosófica de Immanuel Kant (1724-1804) em duas fases. Na fase inicial, designada por pré-crítica, as reflexões incidem predominantemente sobre problemas da física e, naturalmente, também sobre questões estritamente metafísicas dentro dos cânones racionalistas de Leibniz-Wolff, embora já se note, para o final do período, a influência da leitura de Hume e, com ela, aflorarem aspectos de uma nova atitude filosófica, por exemplo, em Os sonhos de um visionário explicados pelos sonhos da metafísica (1764) e no artigo Sobre os primeiros princípios das diferenças das regiões no espaço (1768). Mas é na pequena dissertação latina, De mundi sensibilis arque intelligibilis forma et principiis (1770), expressamente elaborada para concorrer à cátedra de lógica e metafísica, que se apresentam nitidamente pontos de vista anunciadores da segunda fase, a época de maturidade, que se inicia com o 'opus magnum ' da Crítica da Razão Pura. Logo após a defesa da dissertação, empenha-se Kant em meditar e redigir a obra que abrangia todas as suas novas concepções. Em carta a Marcus Herz (7 de junho de 1771), amigo com quem disputou, nas provas públicas, segundo o uso acadêmico de então, a tese latina De mundi sensibilis... e seu confidente intelectual, dá notícia de que trabalha num estudo sobre os limites da sensibilidade e da razão, em que deverá estudar não só os conceitos fundamentais e as leis relativas ao mundo sensível, como ainda dar "um esboço do que constitui a natureza do gosto, da metafísica e da mora" ¹ . Em resumo, nesse estudo reúne-se o que mais tarde constituirá a matéria das três Críticas. Mas a prioridade dos problemas teóricos em breve se fará anunciar. Assim, em. carta ao mesmo Marcus Herz (21 de Fevereiro de 1772), procura Kant, antes de mais, encontrar o segredo da metafísica até hoje não revelado; "pergunto-me: em que bases se funda a relação com o objeto daquilo que designamos por representação?» ² . E esclarece o seu correspondente: `e ncontro-me agora a ponto de formar uma critica da razão pura, atinente à natureza da consciência, tanto teórica como prática, na medida em que é simplesmente intelectual; elaborarei primeiro uma parte sobre as fontes da metafísica, seus métodos e limites; e publicá-la-ei talvez dentro de três meses" ³ . Nesta carta anuncia-se, pela primeira vez, o título da primeira critica, Crítica da Razão Pura, embora concebida como um todo, englobando a segunda das críticas, a Crítica da Razão Prática. Mas também surge já delineada a independência da primeira critica, ao afirmar que o estudo compreenderá "uma crítica, uma disciplina, um cânone e uma arquitetônica da razão pura. " A meditação kantiana não vai demorar três meses, mas dez longos anos e a obra que a condensa, a Crítica da Razão Pura, redigida apressadamente em quatro ou cinco meses, foi editada em Riga, por Hartknoch, no ano de 1781. Em carta a Mendelssohn (16 de Agosto de 1783) afirma Kant ter posto "grande atenção no conteúdo, mas pouco cuidado na forma e em tudo o que respeita à fácil intelecção do leitor." 4 Pressentia, por isso, o filósofo de Königsberg -e comunicao ao seu amigo Marcus Herz (11 de Maio de 1781) -que, dada a novidade e a dificuldade dos seus pontos de vista, com poucos leitores poderia contar ao princípio 5 . Efetivamente, os espíritos formados no racionalismo das luzes consideraram a obra obscura e imprópria para principiantes. Outros (por exemplo, ________________ ¹ Kant's gesammelte Schriften, herausgegeben von der Königlich Preussischen Akademie der Wissenchaften, Band X, Zweite Abtei1ung: Brietwechsel, erster Band, zweite Auflage, 1922, p. 123. 2 Ibidem, p. 130. 3 Ibidem, p, 132. 4 Ibidem, p. 345. 5 Ibidem, p. 269. III. Le conflit du racionalisme et de l'empirisme dans la philosophie moderne avant Kant. Paris, 1944, pp. 248-249. ³ Ibidem, p. 238. metafísica apresenta as suas teses como algo que não pode ser objeto de dúvida. Ora, a uma filosofia dogmática opõem-se outras filosofias, cujas teses também são dogmáticas e daí a luta entre sistemas, degenerando na anarquia correspondente à fase céptica. Alas ninguém se pode desinteressar da metafísica, que se encontra radicada na natureza humana e daí procurar Kant princípios adequados ao pensamento metafísico. Por isso classifica a sua filosofia conto crítica, cuja tarefa fundamental vai consistir na crítica da própria razão: averiguar, como em tribunal, quais as exigências desta que são justificadas e eliminar as pretensões sem fundamento. Previamente à constituição de um sistema metafísico, conhecimento pela razão pura das coisas em si, dever-se-á investigar-o que será tarefa da Crítica da Razão Pura -o que pode conhecer o entendimento e a razão, independentemente de toda a experiência. Trata-se de criticar, de encontrar os limites de todo o conhecimento puro, a priori, isto é, independentemente de qualquer experiência. Deste modo se abrirá um caminho certo para a metafísica que lhe obtenha o consenso dos que se ocupam de filosofia, pois se encontram garantidas a necessidade e universalidade desse saber; estaremos em face de uma ciência. A revolução operada no campo do saber, graças à qual foi possível a constituição da nova ciência da natureza, consiste, para Kant, em que a natureza não se encontra dada como um livro aberto onde apenas bastará ler. A ciência constitui-se e desenvolve-se por um projeto adequado, que nos torne possível interrogar a natureza e forçá-la a uma resposta. Algo de semelhante tem que se operar em filosofia para esta se colocar no caminho seguro da ciência, para obter no seu domínio resultados tão certos como os obtidos nas diferentes disciplinas científicas. E esse rigor nos processos corresponde a uma missão fundamentadora da ciência, isto é, a de revelar o que torna possível este saber, "o projeto fundamental que dá a possibilidade de interrogar a natureza de maneira sistemática e de forçá-la a responder" 4 . Se a filosofia quer realizar essa missão, cumpre desviar-se da idéia de verdade, própria da onto-gnoseologia clássica. A verdade como adaequatio rei et intellectus põe em jogo dois sentidos de intellectus e, assim, duas interpretações de adaequatio: adequação da coisa ao intelecto, significando que a coisa se há-de conformar ________________________ 4 Walter BIEMEL, De Kant a Hegel, in '' Convivium -Filosofia, Psicologia, Humanidades " , Barcelona, 1962, n.° 13-14, pp. 88. _____________________________ 10 Crítica da Razão Pura, p. 531. distinção entre fenômeno e " coisa em si " . Os fenômenos, sejam da experiência interna, sejam da experiência externa, não passam de representações, pois os dados da percepção nelas são transmudados, graças ao espaço e ao tempo, e não põem diante de nós um mundo de coisas em si. Estas, no entanto, existem para Kant; simplesmente, são condições dos fenômenos, doadoras de dados hiléticos, que o espaço e o tempo ordenam em fenômeno, isto é, numa representação unificada. Mas não são causa do fenômeno. Aplicar a categoria da causalidade à relação fenômeno-coisa em si seria considerá-la para além da experiência, caindo-se na atitude sofística que Kant denuncia na metafísica dogmática. Por isso, separa cuidadosa-mente o plano do fenômeno do plano da coisa em si. Mas esta é admitida como condição da idealização do fenômeno. Não é causa do fenômeno, mas o mundo da coisa em si é algo correlativo do mundo fenomênico; sem ele, este seria ininteligível. Mas o que será uma coisa em si? Só poderia saberse se fosse dada numa intuição não-sensível, numa intuição intelectual, fora dos quadros espaço-temporais. Ao homem não foi concedida tal intuição, embora esta, em si mesma, não fosse impossível. Nada se pode afirmar, portanto, relativamente ao mundo das coisas em si. Permanecem para nós incognoscíveis. Para além desta metafísica imanente não haverá acesso ao mundo da transcendência? Esse acesso, como saber objetivo, isto é, como ciência estrita, é impossível. Não corresponderá essa metafísica transcendente a "um tipo de apreensão do real, que difere por natureza do conhecimento científico? " 11 . A razão, graças às idéias, esforça-se por elevar os conhecimentos do entendimento à mais perfeita unidade e se a extensão dos conhecimentos se impõe ao nosso espírito, não corresponde " aos interesses supremos da razão" 12 . Interessa-se esta mais ainda pela sua unificação sistemática. "O conhecimento sistemático, a ciência dos objetos da experiência, fornece-nos um modelo de certeza; a filosofia crítica marca os limites do que podemos saber e a estimar razoavelmente o que nos é permitido esperar "13 . Deste modo, a tarefa da razão abre-se à metafísica " o propósito final a que visa, em última análise, a especulação da razão no _________________ 11 Jean LACROIX, Kant et le kantisme, Paris, 1967, p. 15. 12 Critica da Razão Pura, Metodologia transcendental, 1ª Secção: Do fim último do uso puro da nossa razão, p. 634 e segs. 13 Ibidem, p. 635. 15 Cf. P. RICOEUR, Herméneutique, cours professé à I'Institut Supérieur de Philosophie, 1971-1972, Louvain-la-Neuve, p. 70. Ver ainda H. G. GADAMER, Kant und die philosophische Hermeneutik, Kant-Studien 66 (1975), pp. 395-403. Reimpresso com o título Kant und die hermeneutische Wendung in H.-G. GADAMER, Heidegger Wege, Tübingen, 1983, pp. 45-54. entre uma teoria do conhecimento e uma teoria do ser. Por...

Autonomia, construtivismo e razão pública: Rawls leitor de Kant

DoisPontos, 2010

Com a finalidade de refletir sobre a reatualização de autores clássicos da filosofiacomo forma de se enfrentar os desafios contemporâneos da democracia e do pensamentopolítico, o artigo pretende apresentar a interpretação feita por John Rawls de aspectos dafilosofia prática de Kant. Três conceitos são particularmente importantes nessa articulaçãoentre a filosofia kantiana e o projeto rawlsiano de justificação normativa do liberalismopolítico: a concepção de pessoas morais autônomas, a fundamentação normativa ancoradaem um procedimento de construção de tipo kantiano e a ideia de razão pública que orienta adeliberação racional dos cidadãos em uma democracia constitucional. Procuraremos problematizarse a pretensão de justificação normativa baseada no ponto de vista moral imparciale representada pelo procedimento de construção pode ser mantida juntamente com anecessidade de também tratar a justificação dos princípios do liberalismo político comoderivada de ideias intuitivas fundamentais...

“Breve Resumo” de Kant na Crítica da Razão Pura

Ao fim da Dedução Transcendental dos Conceitos Puros do Entendimento da 2ª edição da Crítica da Razão Pura (CRP), Kant inclui um parágrafo intitulado “Breve Resumo Desta Dedução”. O propósito deste trabalho é verificar se realmente o “breve resumo” é capaz de trazer de maneira enxuta a argumentação da Dedução Transcendental.

Autonomia moral, soberania popular e uso público da razão em Kant Moral Autonomy, Popular Sovereignty and Public Use of Reason in Kant

2018

RESUMEN Em Direito e Democracia, Habermas apresenta uma ambiguidade no conceito kantiano de autonomia que levaria a uma relação de concorrência entre direitos humanos e soberania popular: este conceito teria sido introduzido do ponto de vista privado do sujeito individual que julga moralmente e explicitado do ponto de vista da formação política discursiva e democrática da vontade. Contrapondo-se a essa leitura, Maus argumenta que Kant desenvolve os direitos humanos e a soberania popular na mais estreita complementaridade recíproca. Contudo, ela aceita a crítica de Habermas ao caráter monológico do princípio kantiano da moral, mantendo a ambiguidade do conceito de autonomia. No presente artigo pretendo sugerir que quando se atenta para as concepções de Esclarecimento e "uso público da razão" apresentadas por Kant nos textos políticos torna-se possível compreender que longe de desvalorizar a formação política da vontade, Kant a estabelece como um passo fundamental para a realização da moralidade e, portanto, da autonomia da vontade. Num primeiro momento, argumentarei que ao explicar o princípio de autonomia mediante a ideia de autolegislação da vontade, Kant não introduz uma ambiguidade neste conceito. Pelo contrário, ele estabelece uma estrutura normativa comum entre os domínios da moral e do direito. Por fim, retornarei à Doutrina do Direito para argumentar que, para Kant, a interação e comunicação entre os cidadãos não é lateral para a legitimação do direito, visto que são exigidos o consentimento dos membros da comunidade política e o convencimento pela razão. ABSTRACT In Between Facts and Norms, Jürgen Habermas points out an ambiguity in the Kantian concept of autonomy that would lead to an antagonism between human rights and popular sovereignty. He charges Kant of introducing this concept from the private point of view of the individual subject who judges morally and of elucidating it from the point of view of the discursive and democratic political formation of the will. Against this reading, Ingeborg Maus

Tradução A relação privado público em Hannah Arendt e Eric Weil

de discussão-com a teoria de Eric Weil. Essas convergências devem nos permitir formular os problemas ligados à situação moderna do indivíduo, devem também nos levar a apreender as divergências profundas entre duas orientações, por assim dizer, simétricas do pensamento. O confronto entre a fenomenologia arendtiana e a filosofia reflexiva e formal de Weil nos leva a vislumbrar o problema da relação da reflexão com o concreto, que neste caso é o da vida no Estado: o problema metodológico está ligado ao problema político. Uma primeira oposição característica é aquela da natureza e da liberdade. O privado é o domínio da natureza: é no privado que o indivíduo se liberta da necessidade natural, ou seja, cuida das suas próprias necessidades e das necessidades ligadas à reprodução. É o domínio da família, da relação do homem com a mulher, com os escravos e, portanto, também do trabalho. O homem é livre quando está livre dessas necessidades naturais e, portanto, quando está livre do próprio privado: ele vive fora, em um domínio exposto à luz da publicidade, onde o que é real não é o que é produzido e consumido, mas essencialmente o que é visto, ouvido e conservado na memória. Este espaço público é, portanto, um espaço político que proporciona um palco para o discurso e para a ação, que são atividades retiradas das finalidades biológicas, isto é, livres, portadoras e criadoras de seus próprios sentidos. Isso não lhes é imposto de fora, não lhes é preexistente, nem lógica nem cronologicamente. Assim, a realidade do discurso e da ação depende de dois aspectos fundamentais: por um lado, são inovadores, não dedutíveis de uma necessidade ou de um princípio "científico"-não há política científica-e a ação é comparável a um nascimento, ela revela uma identidade imprevisível; por outro lado, aparecem aos olhos de uma pluralidade e diversidade de indivíduos livres, capazes de lembrá-los. A realidade do discurso ativo, da ação política, é sua manifestação e não sua necessidade, seu enraizamento no processo da natureza. Aqueles que permanecem incluídos neste processo-mulheres e escravos-continuam, portanto, dentro dos limites do privado. Esta primeira aproximação permite ver a importância da propriedade. O cidadão é aquele para quem uma certa riqueza, isto é, um certo domínio da natureza, permite uma atividade que não tem mais a subsistência, a vida biológica como fonte. Pode-se ver, no entanto, que o privado não tem apenas um significado negativo em relação ao público. Ele tem um certo