Imagens da América-Latina (Capítulo A fala exilada em A hora da Estrela) (original) (raw)

O último romance de Clarice Lispector, publicado em 1977, no ano de seu falecimento, é bastante lido e compõe uma obra que provocou uma vasta bibliografia crítica. Não temos, obviamente, a pretensão de dar uma interpretação cabal para A hora da estrela, mas apenas expor um contato recente, 1 bem como dialogar com esse texto de 37 anos, com apenas 87 páginas (na edição da Rocco), e que suscitou tanta proliferação (explosão) em torno dele. Assim, diante da passagem dos anos, e de sua sobrevivência, propomos algumas reflexões que surgiram no momento de recente releitura desse romance muito sério, e ao mesmo tempo cheio de humor. 2 Com isso, queremos dizer que A Hora da estrela é uma espécie de porta aberta a qual parece solicitar uma escrita daquele que lê e também exigir a transposição para outras linguagens. Ele é teatral, notadamente na presença de diálogos entre Macabéa e Olímpico, quando o narrador Rodrigo S. M., sempre tão presente, se oculta e os deixa tomar a palavra (caso compreendamos aqui o teatro em seu traço primitivo, como a arte sem mediação, tal como Aristóteles conceitua), e cinematográfico, quando se sente na leitura a aproximação de uma espécie de câmera oculta, e isto acontece quando temos uma marca em linguagem, quando a palavra "explosão" surge entre parênteses, e este recurso pode marcar um corte de edição ou, ainda, uma forma de close, com aproximação e posterior afastamento de câmera. Nos momentos de "explosão" também se dá uma mudança de ritmo 1 Este contato se deu na mesa redonda do evento "A hora da estrela: uma visão interdisciplinar", promovido pelo projeto Cinemas e Temas, em abril de 2014, quando apresentamos um primeiro esboço das ideias presentes neste artigo. 2 Pouco se fala do humor em Clarice Lispector, neste romance especificamente há várias cenas, mas destacamos a consulta de Macabéa à cartomante, em que o humor surge mesclado há uma crítica feroz ao cristianismo.