v. 3, n. 2 (2020): Os afetos na filosofia e a dimensão filosófica dos afetos (original) (raw)

2020, Aoristo - International Journal of Phenomenology, Hermeneutics and Metaphysics

Mais do que um tema da reflexão filosófica, o afeto quase sempre se fez presente na filosofia como constitutivo do princípio mesmo do filosofar. É este o caso da aspiração platônica, do espanto de Aristóteles, da inquietude de Pascal, do infinito anseio dos românticos-afetos que se podem chamar filosóficos no sentido de que mobilizam o pensamento. As vastas discussões sobre os sentimentos estéticos e morais que percorrem a história da filosofia dão igualmente notícia da importância dos afetos para o questionamento filosófico. Enquanto alguns autores relutaram em reconhecer a dignidade dos afetos, outros lhe conferiram um peso extraordináriocomo os filósofos do romantismo alemão, que viram no anseio infinito (Sehnsucht) o princípio da filosofia; Nietzsche, que fez dos afetos a chave de sua interpretação genealógica da história da filosofia e de sua própria apreciação moral e estética da existência; Kierkegaard, com seu mergulho filosófico na angústia; Heidegger, que analisou a angústia e o tédio como tonalidades afetivas fundamentais (Grundstimmungen), que põem em manifesto para o homem a espessura de sua existência e finitude; Sartre, ao fazer da náusea existencial um confronto com o ser e o nada; Miguel de Unamuno, ao afirmar o sentimento trágico da vida como origem da reflexão filosófica... Cumpre mencionar, é claro, também os poetas e escritores literários que se entregaram à exploração dos afetos, como o desassossego de Fernando Pessoa, a melancolia em Georg Trakl, o spleen em Baudelaire, o sentimento do absurdo em Kafka... Assim, em vista dessa centralidade dos afetos na reflexão filosófica, o presente dossiê, Os afetos na filosofia e a dimensão filosófica dos afetos, contempla reflexões que privilegiem não apenas o afeto enquanto questão na filosofia, mas, especialmente, o afeto como abertura filosófica, ou ainda, a própria filosofia como possibilitada por uma abertura afetiva.