Huizinga, Johan - Homo Ludens (original) (raw)

O jogo, enquanto função significante, depreende sentido. No jogo transparece algo que ultrapassa e transfigura as necessidades primordiais da vida, quer seja caráter físico, ou biológico; e confere um sentido, desenvolvimento e destino à ação. Todo jogo estabelece relação entre personagens e acontecimentos, como eles se movem e marcam o tempo e o espaço no qual são inseridos. O jogo - tomando de empréstimo o conceito de Divino, exposto no Evangelho de João - é a expressão de um verbo criando uma realidade autônoma; é também uma ponte entre o que se é percebido e entendido pelo sentidos e sua efabulação imaginária; uma ligação afetiva, simultaneamente séria e divertida, entre o reiterado objetivo e o imprevisível subjetivo, feitos, um e outro, presença, através de contínuas e progressivas decodificações, desconstruções e recriações do objeto pretexto para o jogo. O mito, o culto; a ciência; as relações sociais; a linguagem, as artes, os esportes - enfim: tudo que se imbui do motor criação, da despersonalização do ordinário para encarnação do extra-ordinário; do erigir um como que templo, têmeno, tempo que morde o próprio rabo e eterniza o instante, fulcro de passado e futuro cristalizado no agora do espaço espelho de si consigo, ou de si com o outro - isto, síntese - é o jogo.