ALMEIDA, Ranieri Ribas de - A História como Ontologia do Mundo - Luciano de Samosata. (original) (raw)

"Nascido em Samósata (125 -181 d.c.), província romana da Síria, Luciano escreveu sua obra durante o reinado de Marcus Aurelius, e fora reconhecido por dar continuidade a um gênero satírico criado por Menipo de Gadara, qual seja, o denominado diálogo satírico. Esse gênero híbrido caracterizava-se por mesclar harmoniosamente a comédia e o diálogo filosófico, gêneros absolutamente díspares, uma vez que o diálogo oriundo da tradição platônica era visto como uma espécie de sermo nobilis, isto é, uma forma filosófico-discursiva sublime, ao passo em que a comédia era considerada um gênero inferior. (...) Para além do caráter neutro e ataráxico do narrador, muitas das sátiras de Luciano buscavam extrapolar qualquer controle à fantasia e à imaginação na criação ficcional. Imperava nessas obras, tais como em Uma História Verdadeira, um princípio de absoluta liberdade estética em relação ao princípio da verossimilhança. Talvez por essa razão, a obra de Luciano seja vista como a precursora antiga do surrealismo e das histórias de ficção científica, narrando viagens à lua, encontros com extraterrestres e imagens de baleias aladas, entre outros. (...) Certamente por ser um autor que cortejava a ficção do absurdo e a derrisão filosófica, Luciano jamais tenha sido levado a sério como filósofo. De fato, sua progênie é composta majoritariamente por autores adeptos de uma filosofia semificcional, como Thomas Morus e Erasmus, autores que privilegiavam o tema da loucura e da alucinação criativa. A proximidade com o delírio poético fora a tônica de todo o corpus lucianeum, e sua relação com a tradição filosófica pregressa, uma permanente derrisão. Para ele, todas as tentativas de fundar o mundo sobre um fundamento filosófico deveriam ser derrotadas pelo riso. (...) A educação moral luciânica, nesse sentido, ocorre pela via tragicômica, (...) o homem (...) passa por um processo de metamorfose cuja função é expor o próprio homem a sua estupidez,“oferecendo-lhe uma oportunidade rara de avaliar o mundo sob uma perspectiva privilegiada que é simultaneamente humana (pela razão) e animal (pelo suporte orgânico)”, conduzindo-nos a uma descrença ética quanto a valores consolidados acerca da superioridade da espécie humana. " ALMEIDA, Ranieri Ribas de - A História como Ontologia do Mundo - Luciano de Samosata