O inominável e a transitoriedade (original) (raw)

2019, Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental

pela via da psicanálise, sobre o inominável, o traumático, na vida humana. Experiência radicalmente revelada pelos depoimentos dos sobreviventes. Meu interesse, aqui, é destacar que, paradoxalmente, são essas situações extremas que convocam os sujeitos em sua capacidade mais primária de criação, ou, ainda, de recriação, no campo da cultura e dos laços sociais. Tais pontos nos colocam em contato direto com aquilo que Freud destaca como as principais fontes da infelicidade humana, descritas no seu texto "O mal-estar na civilização" (1930/1977d). Considera, nesse atualíssimo artigo, que o que chamamos de felicidade, no sentido estrito, provém da satisfação repentina de necessidades retidas em alto grau, sendo por isso mesmo um fenômeno episódico. Já a infelicidade, afirma, é muito menos difícil de ser experimentada, pois o sofrimento nos ameaça a partir de três direções. São elas: 1 a) os desastres da natureza e do mundo exterior que podem se abater sobre nós com sua força destruidora; 2 a) a fragilidade de nossos corpos e, ainda, 3 a) as dificuldades nas relações entre os homens, ou seja, nas relações sociais que, segundo Freud, provocam os piores e mais duros sofrimentos para os seres humanos. Freud considera que sob a pressão de todas essas possibilidades de sofrimento, os homens acabam por moderar suas reivindicações de felicidade dedicando-se, muitas vezes, apenas à tarefa de evitar o sofrimento, em vez de buscar o prazer e a felicidade. O sofrimento nos reporta ao desamparo primário, marca situada nas origens do sujeito e que desnuda nossa dependência ao Outro. Estar des-amparado, sem amparo, sem apoio, reporta ao horror do encontro com a ausência de sentido que algumas situações-limite engendram. Encontro com o inominável, ou seja, com aquilo que não se pode designar por um nome e que, por isso mesmo, é também o inqualificável, o insuportável, o doloroso. O que não se nomeia, escapa da vida, pois indica muitas vezes o impossível de ser comunicado. De qualquer forma o que a psicanálise revela é que o inominável traumático é parte da existência, insistindo e retornando, de um modo ou de outro ao longo da vida, convocando-nos para uma reflexão sobre a importância do trabalho psíquico e da atividade de criação como possibilidade de contorno do não representável na experiência humana compartilhada. A devastação ocasionada pelos desastres naturais, assim como pela guerra, ou mesmo pelos momentos de violência social, nos confronta, antes de qualquer coisa, com a fragilidade das conquistas civilizatórias, com o fato da finitude e com a necessidade do luto.