O Olho Digital Omnisciente: O Papel da Vigilância nas Dinâmicas de Poder e Ciberguerra na Era Digital Russa (original) (raw)

Os governos têm um desejo insaciável pelo controlo. O domínio sobre a sociedade confere ao Estado um poder que se reflecte na disciplina dos indivíduos e aceitação das normas vigentes. Para que esta estratégia de controlo possa existir é necessária a (1) criação de normas rígidas que devem ser observadas, aceites e obedecidas pela sociedade, sendo que essas mesmas normas contemplam, também, a punição em caso de desrespeito das mesmas, a (2) implementação de tecnologias de vigilância que permitam ao Estado obter a informação necessária que se traduz em conhecimento sobre o cumprimento ou não das normas por parte dos indivíduos e a (3) instauração da “cultura do medo”, através do panóptico, sinóptico e observação pelos pares, entre outras formas de vigilância que vão além do conceito tradicional, criado no século XVIII por Jeremy Bentham na Rússia Branca (hoje designada por Bielorussia). Entre as formas de vigilância pós-panóptico está, por exemplo, aquela a que chamamos “vigilância a prazo” que consiste na recolha e armazenamento sistemático de dados sobre os cidadãos que, em qualquer momento, servem para traçar o perfil de um indivíduo e, mais tarde, poderão servir como conhecimento de prova para a punição em caso de não cumprimento das normas vigentes. Este conceito é vulgarmente designado como “big data” e já está implementado nos Estados Unidos da América, controlado e gerido pela agência de segurança NSA, através de um software designado como PRISM e as evidências indicam que está também em curso na Federação Russa, gerido e controlado pelo FSB (antigo KGB), através de um sistema informático de vigilância electrónica designado como SORM. Na Rússia, outros sistemas estão a ser implementados. É o caso do sistema GLONASS que consiste num sistema de satélites semelhante ao comum GPS, inventado nos EUA, mas que foi criado e está a ser usado pelo governo russo para, inicialmente, localizar todos os veículos existentes neste país. Alguns media russos argumentam que o sistema GLONASS é apenas o princípio de um plano mais extenso que pretende não apenas georeferenciar os veículos dentro das fronteiras russas mas, também, todos os seus cidadãos à escala mundial. Parte da estratégia do governo russo passa, também, pelo incentivo e desenvolvimento de sentimentos nacionalistas e apoio a grupos de activistas pró-nacionais, auto-designados Nashi, que se dedicam a actividades ilícitas através de meios informáticos, atacando sistemas informáticos de países que demonstrem algum grau de oposição à cultura e modo de vida russos. Um dos exemplos mais significativos das acções dos Nashi é o ataque perpetrado em 2008 contra a Estónia, depois do governo deste país ter mudado uma estátua, construída pela União Soviética em honra do soldado do exército vermelho, para um local dentro de uma base militar. Este acto do governo da Estónia foi observado pelos nacionalistas russos como um ataque ao simbólico e à memória colectiva de um povo que lutou e sofreu durante a 2ª Guerra Mundial, naquela que é designada na Rússia como A Grande Guerra Patriótica. O renascimento do sentimento nacionalista não serve apenas o propósito de levar a cabo ataques geopolíticos a culturas e povos que demonstrem oposição à cultura e história russas mas também serve o propósito de legitimação das acções do próprio governo, dando-lhe a estabilidade necessária para continuar a exercer o poder dentro e, até, fora das suas fronteiras. Este é um projecto com potencial de inovação e, sobretudo, pode ser um contributo relevante para os Estudos de Vigilância e Ciberguerra, quer na perspectiva da investigação teórica, quer na perspectiva do entendimento cultural e social da actualidade na Era Digital não só Russa, mas, também, da relação desta com outras áreas geopolíticas. Sendo a área de estudo da vigilância e ciberguerra uma área em constante e sistemática evolução, estamos em crer que os novos contributos que esta investigação irá trazer permitirão complementar e confrontar as teorias existentes sobre estes fenómenos, trazendo uma nova visão e levantando novas questões que contribuirão de uma forma abrangente para o património científico na área das Ciências da Comunicação.