Do barro ao céu: uma etnografia das viagens entre os Tikmũ´ũn (original) (raw)
Os Tikmũ´ũn, também conhecidos como Maxakali, habitam uma pequena área designada pelo Estado no Vale do Mucuri, no norte de Minas Gerais. Muito mais amplos, seus territórios tradicionais, devastados por uma colonização violenta, abrangem quase todo o Vale do Jequitinhonha, até sua foz na Bahia, alcançando áreas de trânsitos e trocas com povos Pataxó, no sul da Bahia, e de conflitos com povos Botocudo, na região do Vale do Rio Doce. Através dos séculos, os Tikmũ´ũn enfrentaram todo o tipo de ameaças ao seu trânsito: o extermínio da colonização, o surgimento das cidades, o avanço das pastagens, das doenças, o espólio das terras e a violência dos fazendeiros, e, mais recentemente, o proselitismo religioso infiltrado em instituições estatais, políticas públicas desastrosas, e todo o tipo de extorsão por parte de comerciantes locais. No entanto, seu sofisticado sistema cosmopolítico, através das alianças com os encantados-cantores yãmĩyxop, mantém vivos entre eles inumeráveis seres da Mata Atlântica, seus saberes, suas memórias, seus trânsitos, suas ligações com seu território. Mobilizados por saudades e desejos de (re)encontros, os Tikmũ´ũn continuam a traçar seus percursos, seja caminhando por semanas através das cercas e estradas, seja cantando por noites a fio com seus aliados de outros mundos. O objetivo desta tese de doutorado é descrever modos como os Tikmũ´ũn percorrem e habitam seus territórios, e como propõem e atualizam relações entre si, com os Yãmĩyxop e outros aliados, em seus deslocamentos. A partir das relações cosmopolíticas entre as diversas gentes que partilham experiências sensíveis com os Tikmũ´ũn, nas quais o olhar e a escuta aparecem como aptidões fundamentais para o estabelecimento e a celebração de encontros e alianças, se desdobram processos de conhecimento, de produção de subjetividades e territorialidades.