Saúde, educação e o nosso grande irmão (original) (raw)

2002, Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões

encontrei-me com colega, dedicado professor do Departamento de Clínica Médica, conhecido há mais de 20 anos. Entusiasta do ensino da medicina, orientador de diversos trabalhos de tese, pesquisador instintivo, perguntei-lhe pela vida, pelos filhos, pelo trabalho. Surpreendi-me com seu desânimo, seu pessimismo, sua expectativa por uma aposentadoria precoce. Seus argumentos: ensino estagnado-continuamos com as aulas de há 20 anos, praticamente com os mesmos recursos, com pouco ou nenhum acesso às evoluções tecnológicas que permitiriam formas mais efetivas, dinâmicas e práticas de transmissão de conhecimento; assistência em baixa-falta de infra-estrutura e agilidade no diagnóstico e tratamento de nossos tristes pacientes do SUS que já nos chegam com doença avançada pelas dificuldades que todos conhecemos de acesso à medicina pública, de nível cada vez mais baixo; produção científica de baixa qualidade-a completa falta de recursos para pesquisa na área médica nos tem levado à falta de originalidade, à repetição de experimentos muitas vezes com metodologia já ultrapassada e conseqüentemente de valor científico questionável. Exemplificou de forma pejorativa e muito ilustrativa, com o título fictício de um trabalho "tipicamente" brasileiro da área das ciências biológicas: " O peixe elétrico dá choque mesmo". O MESMO, é nosso. Negativismos à parte, este é o quadro atual da pesquisa médica no Brasil. É claro que existem exceções, talvez até muitas, mas ainda assim exceções. Este terrível panorama é a triste realidade de quem se dedicou ao ensino e à medicina pública, de quem acreditou na evolução natural de valores éticos e morais que tornassem educação e saúde prioritários em nosso país. "Faz parte", talvez expressasse o atual ídolo e espécime mais representativo da nação, produzido pela mídia e descendente direto da oligofrenia nacional determinada em última análise por nossas elites, que cismam em manter no poder os ditadores de uma política social injusta, degradante e imoral. "Faz parte" também a exaltação de nosso Grande Irmão às avessas, que não fiscaliza nada mas introduz em milhões de lares, a cada dia, a cada minuto, a mediocridade em conta-gotas, e perpetua o nosso trágico destino, nossa africanização definitiva. Não sou tão pessimista quanto parece, mas é extremamente preocupante a situação atual. Também não tenho solução para a crise e duvido que alguém a tenha para curto ou médio prazos. Para solução a longo prazo tento dar minha contribuição, procurando fazer sempre o melhor, de forma a contribuir positivamente para o engrandecimento de todos com quem trabalho, seja no Serviço de Cirurgia do Hospital Universitário, seja no Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFRJ, seja no CBC, onde assumi o cargo de Diretor de Publicações, a convite do nosso atual Presidente, Dr. José Wazen da Rocha, infelizmente em decorrência da morte prematura de meu querido amigo e incentivador, José Antônio Gomes de Souza. Espero estar à altura para continuar seu trabalho, com a mesma dedicação e respeito por todos que fazem parte do Colégio Brasileiro de Cirurgiões.