A propósito de Lusofonia (à falta de outro termo) - O que a língua não é (original) (raw)

Da ‘Portugalidade’ à Lusofonia

Comunicação e Cultura, 2012

A nossa proposta vai no sentido de se saber até que ponto a marca da ‘portugalidade’, profusamente difundida em pleno Estado Novo, sublinhando alegadas características adstritas ao povo português, numa relação apologética ao regime em vigor e que serviu, de resto, de bandeira à Exposição do Mundo Português (1940), ‘afectou’, por via da propaganda e da ideia de ‘império ultramarino’ - que constituiu um dos pilares e dos mitos do regime de Salazar (Rosas, 2001) -, as dinâmicas relacionais com os povos das ex-colónias portuguesas, plasmadas na ideia de lusofonia. É nesse quadro que surge o título do presente projecto: “Da ‘portugalidade’ à lusofonia”. Pretendemos congregar pistas para responder à pergunta “De que falamos, quando falamos de lusofonia?”. Será de uma extensão de uma alegada ‘portugalidade’? Ou de um espaço ligado, apenas (ou eventualmente), através de uma língua comum? Em contexto pós-colonial, que debate sobre o ‘outro’ é possível fazer-se? Palavras-chave: ‘Portugalidade’; lusofonia; Estado Novo; globalização; multiculturalismo

'Portugalidade' na(s) Lusofonia(s): um contrassenso

Cultura e Sociedade, 2020

As conceptualizações tornam-se, muitas vezes, problemáticas. Não obstante existirem inúmeras publicações que tentam descodificar conceitos – desde os dicionários ditos “convencionais”, dedicados à língua e à correspondência interpretativa de cada palavra, aos que fazem a sua correspondência ao significado numa língua estrangeira -, a não satisfação com uma delimitação explicativa, faz com que se enverede por caminhos em que os termos se tornam polissémicos (fazendo toda a diferença o contexto em que são aplicados), ou declinados no plural, como que a sublinhar um potencial interpretativo que vai para além do que está ‘convencionado’ na dicionarização. Já Umberto Eco (1983) chamou a atenção para o facto de os dicionários e as enciclopédias não coincidirem com as noções teóricas enquanto categorias de uma semiótica geral, observando que muitos dicionários contêm informação correspondente a uma enciclopédica e muitas enciclopédias contêm informação que mais parece pertencer a um qualquer dicionário. Não obstante a dicionarização muitas vezes seja parca nas propostas interpretativas que fornece, deixando de fora palavras que circulam na linguagem corrente, situação que pode ser explicada ou por opção ideológica, ou por mero critério linguístico. Ainda muito antes de Umberto Eco, Almeida Garrett nas suas “Viagens na Minha Terra”, mostrava-se cético no que respeita à relação existente entre as palavras e as coisas, ao pretender “afectar nas palavras a exactidão, a lógica, a rectidão, que há nas coisas”, no que sublinhava ser “a maior e mais perniciosa de todas as incoerências” (Garrett, 1972 [1846], p. 171). E, mesmo que o filósofo Ludwig Wittgenstein (1958) sublinhe que o sentido que se dá às palavras seja o seu uso, torna-se necessário uma contextualização para evitar eventuais equívocos, como são os casos da ‘portugalidade’ e da lusofonia. O primeiro caso, não é tipificado pelos dicionários de referência e, o segundo, integra múltiplos sentidos interpretativos. Afinal, se os conceitos servem para propor interpretações, o facto de serem constantemente postos em causa pode ter em vista um ajuste à visão de quem tem explicações diferentes das que são propostas pelos manuais. É perante este quadro que vou abordar a “lusofonia”. E, quando a ela me refiro, vem de imediato ao de cima toda a parafernália descrita no parágrafo anterior. Mesmo que se afirme que já tudo foi escrito sobre ela, faltando apenas colocá-la em prática como refere Miguel Real (2012), o termo – e tudo o que lhe está associado -, está longe de ser consensual. Desde logo por remeter etimologicamente para uma centralidade portuguesa, sendo que a palavra foi forjada a partir da francofonia1. Dessa forma, teria ficado de fora um eventual recorte ideológico como possibilidade interpretativa da palavra, mesmo que, no caso português, a descolonização só tenha sido completada em 1975. Mas, na prática, nada dessa lógica aparentemente “pueril” corresponde à verdade uma vez que as clivagens em torno do assunto são grandes e decorrem do período pós-revolução do 25 de abril e, consequentemente, reportam-se ao período pós-colonial português.

Novas Identidades: Portugal e a Lusofonia

A empresa, de séculos atrás, que Portugal conduziu com os descobrimentos e o "achamento", na expressão de Gilberto Freyre, de territórios fora do continente europeu permitiu-nos alcançar o presente século com uma comunidade alargada de povos e países com ligações seculares a Portugal e aos portugueses.

A açucarada língua portuguesa: Lusotropicalismo e Lusofonia no século XXI

Revista Brasileira de Linguística Aplicada, 2015

RESUMO: O artigo aborda, a partir dos conceitos de Lusotropicalismo e Lusofonia, o processo histórico de mercantilização da língua portuguesa. Inicialmente, expõe o papel econômico da empreitada colonial açucareira no Brasil. Em seguida, explora os sentidos "adocicados" atribuídos à língua portuguesa falada no Brasil como um lugar de inscrição de significados coloniais no processo de constituição da brasilidade da língua e da identidade. Por fim, discute o valor comercial atribuído à língua portuguesa em tempos contemporâneos, sinalizando para o papel desempenhado pelo Brasil nesta nova ordem. A concepção de língua adotada no artigo assume que ela não é neutra, mas ideologicamente saturada e, por isso mesmo, as valorações e significações atribuídas à língua produzem efeitos sobre as práticas linguísticas. Toma-se como corpus uma amostra de discursos, histórica e contemporaneamente produzidos sobre a língua portuguesa do Brasil, oriundos de diferentes gêneros discursivos. PALAVRAS-CHAVE: língua portuguesa, brasilidade, doçura, açúcar, comércio.

A emigração " externa " e a Lusofonia

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), organização de natureza multilateral, criada com a assinatura da “Declaração Constitutiva”, na 1ª Conferência de Chefes de Estado e de Governo de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe – Lisboa, Portugal a 17 de julho de 19962, apresenta-se como um espaço de cooperação baseado na língua comum e numa convergência histórica que reforcem a coesão. Este espaço que não se encontra definido em termos territoriais, exceto na vontade de aumentar a progressiva afirmação internacional do conjunto de países de Língua Portuguesa identificados pelo idioma comum, ainda que geograficamente descontínuos. Fundamenta-se no relacionamento especial existente entre os seus povos, resultante da convivência multisecular, do vínculo e património comum que se pretende manter e reforçar em conjunto, designadamente no sentido da projeção internacional dos seus valores culturais, numa perspetiva aberta e universalista. O objetivo é identificar se a CPLP adotou políticas de apoio dirigidas ao universo de emigrantes dos países da CPLP, que vivem fora do espaço geográfico dos Estados membros da mesma e, em caso afirmativo, que instituições ou mecanismos legais foram estabelecidos para implementarem essas políticas.

Olhar Português em África: Um Ensaio sobre a Lusofonia

Em 1996 assisti em Maputo, a um espectáculo de José Mucavele, porventura o mais reconhecido músico moçambicano. Numa das últimas canções, África, entoou enfaticamente o verso "Eu sou moçáfono do Índico!". O público, que enchia a sala, sobrepôs-se ao artista, aplaudindo-o. Apreço ainda mais notório se considerando que as audiências moçambicanas, mesmo as urbanas, são pouco atreitas a expressar a sua satisfação com as expressões artísticas através do aplauso. O momento foi-me suficientemente simbólico, expressão do mal-estar com a recorrente retórica portuguesa que na época acompanhava o estabelecimento da CPLP. Anos passaram. Cabia-me, como funcionário contratado, também representar em Moçambique um organismo estatal português de política externa, dedicado aos âmbitos culturais e educacionais. Em 1998 e em 1999 decidiu este realizar grandes encontros internacionais entre agentes pertencentes aos países da CPLP. A participação moçambicana na iniciativa decorrida em Lisboa em 1998 fora constrangida pela oposição governamental, o que se complicou no ano seguinte, quando, à revelia do Estado moçambicano, essa instituição portuguesa decidiu organizar em Maputo a segunda edição do certame Pontes Lusófonas. 2 Para tal fez deslocar de Portugal uma enorme comitiva cultural, na qual pontificavam escritores (entre os quais Saramago, celebrizado pois então recém-Nobel de Literatura) e músicos de renome, para além de académicos e jornalistas. A reacção moçambicana aos preparativos fizera-se sentir, eu fora contactado pelas mais altas instâncias do sector cultural e académico (ministros, reitores, directores de serviços universitários e de departamentos estatais), transmitindome mal-estar com a iniciativa. Um ministro avisara-me explicitamente que o presidente da República não proibira a iniciativa porque "temos eleições este ano e não queremos problemas com Portugal". Todas estas demonstrações de desagrado, relatadas aos serviços estatais de Lisboa, destes colhiam silêncio. Tornava-se óbvio que a peculiar dinâmica do organismo estatal português actuante nesta matéria dependia não das