Guy Debord e as Aventuras do Sujeito: As Encruzilhadas Contemporâneas da Estética e da Política (original) (raw)

Satisfazer a exigência de interrogar a nossa condição de contemporâneos implica, desde logo, uma crítica do presente. Deste ponto de vista, torna-se manifesto o facto iniludível de a Arte e a Revolução, enquanto práticas de rutura criativa, estarem em crise. Daí que seja imperativo reler Guy Debord, que tanto recusou a estetização da política (a atitude histérica dos fascistas) como a politização da estética (a obsessão totalitária do estalinismo). Para uma hermenêutica da contemporaneidade, i.e., que toma o presente como um problema histórico, a sua obra é, por certo, um lugar incontornável. Prová-lo, em suma, constitui o desígnio da nossa tese. Para o efeito, impõe-se o projeto de uma revalorização teórica da obra de Guy Debord. Assim sendo, não parece curial tomar a sua bibliografia como um bloco homogéneo. Na verdade, podemos dividi-la em duas partes distintas: de um lado, os livros que revelam o desejo de um resgate poético do passado; e, do outro, os livros que se subordinam à vontade de fazer a crítica do presente com vista à sua transformação futura. Por isso mesmo, é possível distinguir, de um modo esquemático, um corpus autobiográfico e um outro de vasto alcance teorético. Não há que entender esta divisão, todavia, por força do entrelaçamento debordiano do vivido e do pensado, como uma separação estanque dos dois domínios. Há que tomá-la, antes, como um horizonte hermenêutico, de acordo com o qual, naturalmente, se explica o privilégio que atribuímos à interpretação de alguns textos. Daqui se depreende que não pretendemos escrever uma biografia intelectual de Guy Debord. Também não queremos levar a cabo uma história da Internacional Situacionista, ainda que seja inevitável que lhe sejam feitas, ao longo deste estudo, inúmeras referências. Outro equívoco a evitar, a propósito do nosso trabalho, seria lê-lo como se fosse um tratado sociológico, pelo simples facto de abordar o campo dos «meios de comunicação social». Prevenimos, de resto, quaisquer riscos de «sociologização» espúria com os recursos transfronteiriços da dialética inerente às transações histórico-culturais entre estética e política.