Mar de Histórias Vol 08 - Aurélio Buarque e Paulo Rónai (original) (raw)
Inclui o presente volume duas dúzias de narrativas do começo deste século, de 1900 ao ano fatídico de 1914, que de repente revelou aos olhos estupefatos da humanidade o ilusório caráter do progresso em que o século anterior com tanta firmeza acreditava. E, ao relermos as narrativas aqui reunidas segundo critérios estéticos, sem expressa intenção documentária, verificamos com surpresa quantas delas, e precisamente das mais importantes, deixam entrever os germes da crise que eclodiria dentro em pouco, envolvendo praticamente o mundo inteiro. Assim, através do incidente tragicômico do fanfarrão tenente Gustl, o vienense Arthur Schnitzler mostra em que bases frágeis e absurdas repousava a moral pública da aparentemente poderosa Monarquia Austro-Húngara. Sob o verniz da paz, os instintos de ferocidade acham-se apenas sopitados, recorda o dinamarquês Johannes V. Jensen. O russo Leonid Andreiev, no infindável jogo de cartas de um grupinho, pinta a inconsciência tranquila das futuras vítimas da catástrofe. Até as novelas históricas reforçam a impressão de insegurança. Ao evocar a atmosfera de angústia do primeiro milênio, não quererá o sueco August Strindberg aludir às ameaças do segundo? E, num episódio significativo da corte de Inocêncio X, a alemã Ricarda Huch nos faz compreender a debilidade da justiça em todas as épocas. Além desses autores, aparece um outro punhado de contistas europeus de grande variedade. Em "Conto de ninar", do húngaro Ferenc Molnár, conhecemos o núcleo do drama Líliom, mundialmente famoso. Ivan Čankar traz-nos a história duma infância na Eslovênia; Zygmunt Niedzwiecki, a de um casamento na Polônia. As letras inglesas são representadas por Arnold Bennett, que, em "O assassinato do mandarim", retoma velho tema internacional. A imagem da novelística francesa nuança-se com mais três espécimes: um ingênuo, de Francis Jammes; outro erudito, de Jules Lemaître; o terceiro céptico, de Anatole France. O volume, porém, não se restringe à Europa. Da América do Sul, trabalhos do uruguaio Javier de Viana e do chileno Ernesto Montenegro completam a famosa história de "Os pombos", de Coelho Neto. A crescente literatura norte-americana apresenta-nos em O. Henry um requintador da mais elaborada forma do conto europeu. A Europa e a América reivindicam o meteórico Rafael Barrett; a Europa e a Ásia, Lafcadio Hearn, naturalizado japonês. Ao lado deste, Naoya Shiga familiariza-nos com o espírito analítico do Japão. Manda-nos o Canadá o seu melhor humorista na pessoa de Stephen Leacock. Como se vê, são, na maioria, autores desconhecidos entre nós. Ao fechar o volume, terá o leitor adquirido novos amigos.