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RESGATANDO A MEMÓRIA DE CHICO MENDES - MAURÍCIO WALDMAN Chico Mendes foi assassinado a traição em 22 de Dezembro de 1988, data cuidadosamente escolhida por ser véspera de Natal, época na qual a sociedade se prepara para as festas de... more

RESGATANDO A MEMÓRIA DE CHICO MENDES - MAURÍCIO WALDMAN

Chico Mendes foi assassinado a traição em 22 de Dezembro de 1988, data cuidadosamente escolhida por ser véspera de Natal, época na qual a sociedade se prepara para as festas de final de ano e o noticiário político, como sempre perde capilaridade diante da opinião pública.

A morte de Chico Mendes foi um acontecimento altamente impactante. Motivou inúmeros protestos do movimento ambientalista, sindicatos, igrejas e partidos políticos. No exterior, tornou-se tema obrigatório da grande imprensa, das grandes organizações de defesa da natureza, dos direitos humanos e dos trabalhadores.

Tal repercussão era totalmente justificada: Chico Mendes tinha alcançado a condição de referência mundial da luta em defesa do meio ambiente na Amazônia.

Francisco Alves Mendes Filho - ou Chico Mendes, como se tornou conhecido - era filho de migrantes cearenses atraídos para o Acre por conta do esforço de guerra brasileiro na luta contra os países do Eixo durante a II Guerra Mundial.

Chico Mendes ingressara na coleta do látex das seringueiras quando criança. Não teve como estudar até porque inexistiam escolas nos seringais, lacuna que sempre contou com a conivência dos poderes locais. Enfrentando toda sorte de obstáculos, Chico se alfabetizou somente aos 19 anos de idade.

Contudo, homem dotado de inteligência, determinação e capacidade incomum de liderança, Chico se distinguiu como líder sindical, organizando e enfrentando a brutal exploração dos seringueiros pelos grandes proprietários e intermediários do látex.

Ao mesmo tempo, Chico Mendes desenvolveu forte consciência ambiental e formas criativas de resistência ao desmatamento da Amazônia. Estruturou lutas baseadas na não-violência - os famosos empates - e posicionou-se na defesa da implantação das reservas extrativistas, proposta voltada para o progresso social e defesa do meio ambiente.

Isto desde meados dos anos 1970, quando o regime militar brasileiro vigorava com toda força. Note-se que Chico foi originalmente um militante do PMDB, partido do qual se distanciou para se tornar um dos fundadores do PT e também se unindo em diversos contextos ao PV.

Apesar de fortemente percepcionado como militante do PT, ressalve-se que Chico Mendes teve vários atritos com a direção do partido, a começar pelo fato de que a hegemonia política interna na agremiação estava sob férreo controle de sindicalistas do meio industrial e urbano.

Para piorar, as reivindicações ambientalistas soavam estranhas para vários setores do PT, seja porque os sindicatos tinham uma base industrial, cabalmente calcada por primados produtivistas, ou então, devido a afetações ideológicas, em especial pelo ambientalismo polarizar com o ideário da esquerda tradicional.

Hoje, quando o assassinato de Chico Mendes está prestes a completar 28 anos, a trajetória de Chico Mendes e a espinhosa caminhada que desde então demarcou a história política do país tornam fundamental o resgate da biografia do grande líder seringueiro.

Conheci Chico Mendes em 1988, durante palestra do líder seringueiro na Geografia USP. Senti-me imediatamente instado a seguir aquele homem lúcido, honesto e destemido. E assim, de pronto passei honradamente a colaborar com Chico Mendes e com a causa dos seringueiros com o melhor das minhas forças.

Fundei juntamente com o Professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira (Geografia-USP), a antropóloga Bernadete Caprioglio de Oliveira (UNESP-SP) e diversos ativistas do meio ambiente da USP o Comitê de Apoio aos Povos da Floresta de São Paulo (CAPF-SP), entidade que coordenei desde a fundação.

O material que ora segue, Chico Mendes - O Seringueiro foi uma das iniciativas do Comitê, texto publicado em 1989 pelo CAPF-SP em colaboração com o Conselho Nacional de Seringueiros e com o Departamento Rural da Central Única dos Trabalhadores.

Elaborado na forma de cartilha popular, Chico Mendes - O Seringueiro acatou o modelo imagético então em voga no meio sindical, sendo mais tarde distribuída aos seringueiros, grupos extrativistas e movimentos sociais da Amazônia, do Brasil e do exterior.

Em Outubro de 2016, através da Editora Kotev, o exemplar impresso da cartilha sob cuidados do CAPF-SP foi totalmente recuperado por intermédio do competente trabalho de Francesco Antonio Picciolo, responsável pelo suporte técnico e pela logística digital da Editora Kotev.

Este trabalho de masterização e digitalização resgatou sem perda de informação um documento que já apresentava marcas da passagem do tempo, com claros sinais de degradação do papel e desgaste pelas consultas dos interessados.

No mais, cumpriria destacar que o tempo tratou de explicitar uma severa perda de qualidade ambiental no país.

Embora esta questão seja complexa e do ponto de vista político inclua muitos atores, agentes econômicos, segmentos da sociedade e partidos políticos, é evidente que nos últimos anos o descalabro com o meio ambiente atingiu dimensões sem precedentes, transfigurando-se num autêntico holocausto ambiental.

Além da expansão acelerada do desmatamento na Amazônia, que hoje é ainda mais preocupante do que na época de Chico Mendes, o país observa grave omissão das autoridades diante de questões vitais como da gestão do lixo, do saneamento básico, da matriz energética, direitos das populações tradicionais e da degradação urbana. Isto para ser sintético e econômico nas considerações.

Para arrematar, o Brasil foi pespontado por obras que para dizer o mínimo, não atendem a qualquer senso de futuro. Os delirantes mega-projetos contra os quais Chico Mendes devotou sua vida como ativista e que por ameaçá-los igualmente compõem o pano-de-fundo que redundou no seu assassinato, estão atualmente mais difusos e influentes como jamais o foram.

Em suma: nunca as empreiteiras lucraram tanto para proveito de tão poucos com prejuízos tão dantescos para a sociedade brasileira e para as gerações futuras quanto nos últimos tempos.

Parte axial da quota de críticas é obrigatoriamente dirigida ao PT. É difícil imaginar que Chico Mendes aceitaria esta estranha aliança do partido que ajudou a fundar com empreiteiras cuja forma de atuação se revelou inaceitável sob os pontos de vista moral, ético e ambiental.

Seja como for, saliente-se que nada disto demoveu o PT de instrumentalizar a imagem de Chico Mendes. A despeito dos notórios conflitos mantidos pelo líder seringueiro com o partido, a memória de Chico foi apropriada para fins de manipulação política, fabulações partidárias e criação de vínculos ideacionados com causas que objetivamente o PT abandonou desde muito tempo.

É hora de refletir e repensar o país. Inteligivelmente, a sociedade brasileira tem pela frente o sério desafio de criar um novo projeto nacional, apontando para mudar a nação, seu destino e sua história.

Um projeto nacional a transpirar verdade, justiça, pluralidade e transparência, como o povo brasileiro merece e como Chico Mendes sempre almejou.

Premissas que a edição digital masterizada de Chico Mendes - O Seringueiro procura reinserir na vital, estratégica e indispensável revisão da história recente do país.

Boa leitura, boa reflexão e bom proveito!